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Efraim Rodrigues

Coração novo

Todo dia ele desviava o caminho para o laboratório para passar no pet shop e vê-la cuidando dos gatos, cachorros e coelhos como a mãe mais cuidadosa do mundo. Dava banho em cada um deles e secava com uma trilha sonora escolhida a dedo. Atirei o pau no gato era proibido, mas eles gostavam de "Eu não sou cachorro não", que ela encenava com chapéu e tudo. A ninhada sorria latindo.

Depois de um mês ensaiando, ele afinal teve coragem de entrar. Pelo ritual da coisa, ela teve de responder: "Não, se você comprar um bichinho eu não vou na sua casa cuidar dele", mas até achou charmosos os óculos de fundo de garrafa.

Mais alguns dias de conversinha casual ensaiada e marcaram um jantar em um restaurante vegetariano restrito. Ela não come carne, leite nem pintinhos por nascer, sejam fritos, cozidos ou poche.

Lá pelas tantas ele coloca uma impostação doutoral para responder o que faz "tanto tempo fechado naquele laboratório", mas ela logo o interrompe. "Então, você é um carniceiro cruel que mata animais para fazer esses seus experimentos!" "Mas é pelo bem da ci..."

Não deu tempo de explicar. Ela saiu largando o tofu de barbatimão inteiro no prato. Ele ficou e ainda comeu tudo mais a torta de cenoura com sola de sapato que tinha pedido.

As semanas passavam, mas ela não. Que fazer? Foi então que seu cérebro científico arquitetou um plano.

Saiu de seu emprego, forjou uma tese sobre células cardíacas (se uma candidata a presidente pode forjar uma tese, por que não ele?) e afinal foi empregado na Cellular Dynamics de Madison-Wisconsin que produz células cardíacas a partir de células-tronco para testes de produtos farmacêuticos. Uma vez lá dentro trocou as células usadas pelas suas próprias e agora a companhia produzia células cardíacas com seu genoma. Um outro coração dele mesmo!

Certo dia ela o vê entrando no pet shop com um pequeno frasco com gelo seco. "O que você quer aqui? Acabaram os animais do seu açougue?", perguntou ela cinicamente. "Olhe estas células daqui a quatro dias", respondeu e saiu.

Ela não acreditou muito na conversa e por contra própria foi no site http://www.cellulardynamics.com/.

Pelo ritual da coisa ela teve de dizer que reataram porque o impasse deles foi resolvido. De agora em diante não haveria mais testes com animais, mas na verdade o que contou mesmo foi ver as células pulsantes do coração dele.

Em março agora nasce o filhinho deles. Também já viram o coraçãozinho batendo no ultrassom, mas este agora é de verdade.

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