Esta semana fui provocado pela frase "a ditadura de especialistas é um pesadelo que não queremos sonhar" impressa em mídia nacional.
Há tempos venho colecionando evidências de que vivemos uma nova época medieval e a desvalorização do conhecimento é mais um item para minha lista.
Especialistas não são boa matéria-prima para ditadores porque seguem o conhecimento científico, que nada mais é do que bom senso assentado em camadas por milênios. Especialistas seguem a evidência dos fatos e se permitem mudanças de rota, de pensamento. Lidam bem com a contradição e a oposição.
Bons ditadores têm de ter um verniz fino de conhecimento bem enviesado, aplicado em tenra idade, e têm de conviver por longo tempo com seus iguais para que quando crescerem sejam capazes de seguir obsessivamente uma única verdade.
O exemplo mais próximo de especialista é o médico. Para os que acham que é "ditadura" seguir o que o médico diz, que experimentem a ignorância de não seguir.
Desde criança resistimos a seguir o caminho melhor, geralmente também o mais difícil. Meus alunos resistem a ler, meu filho resiste a segurar a mamadeira sozinho. Não os recrimino muito por isso, a preguiça é inerente à condição humana, mas os tento colocar no caminho que traga o melhor resultado, ainda que com um pouco mais de trabalho hoje. A expressão "ditadura especialista" soa a ressentimento juvenil com o trabalho ou estudo, enfim, aquele caminho que todos sabemos que é certo, mas que é menos atraente no curto prazo.
A expressão "ditadura especialista" ecoa também em nível internacional, onde muitos julgam que a ciência compete com a fé religiosa. A fé só compete com a ciência na cabeça dos cientificamente mal treinados, que olham para conclusões científicas sem entendimento das camadas que as antecederam e por isso as igualam aos dogmas religiosos, com origem totalmente diversa, mas não menos valiosa.
Se queremos avançar em todas áreas do conhecimento humano, incluindo o ambiente, precisamos ouvir o que os especialistas têm a dizer. Não porque eles sejam ditadores que irão nos obrigar a um caminho inadequado, mas porque eles pensaram em determinada questão por mais tempo do que nós. Nem tampouco devemos ouvi-los porque eles trazem dogmas indiscutíveis, mas principalmente porque vêm aprimorando suas ideias ao longo de milênios, tirando o joio e pondo o trigo geração após geração.
No paraíso, o manobrista é inglês, o garçom é francês, e o cozinheiro italiano. Cada especialista com sua função. No inferno, o manobrista é francês, o garçom italiano e o cozinheiro é inglês.
Trocando em miúdos, o sonho que a senadora Kátia Abreu quer sonhar é com os especialistas quietos nas universidades, os ruralistas mandando no país e a população pagando quieta a conta.
Há algo de muito errado quando um senador da República menospreza a ciência em um jornal de circulação nacional.
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