As facilidades da vida moderna fizeram com que qualquer um da classe média de hoje tenha mais confortos que um rei da Idade Média. Imagine o trabalho que dava para ter banho quente e suco gelado no castelo. Mas quem hoje está feliz só com chuveiro quente e geladeira?
Mas quero ir além do chavão corretíssimo da ganância que gera dano ambiental.
Nem o rei da classe média nem o da Idade Média se relacionam com estas coisas que aparecem como que do nada. Eles não são da sua rua e, aliás, nem de rua alguma, como me lembrou nesta semana a música de Arnaldo Antunes.
Comidas se materializam em prateleiras refrigeradas nas lojas; pessoas são transportadas morro acima em caixas de metal com rodas; roupas sujas são limpas depois de passarem um tempo em uma caixa. Na Idade Média isso só aparecia do nada para meia dúzia de eleitos. Todos os outros estavam trabalhando para fazer a mágica acontecer e, mais importante, estavam conhecendo e experimentando materiais e tecnologias.
Como as pessoas podem saber sobre o impacto que a energia elétrica causa para ser gerada se a luz se acende magicamente? A luz do candeeiro era muito mais cara que a atual: tinha que carregar o óleo, acender, era muito fraca, então, precisava de uma quantidade enorme de óleo e candeeiros. Porém, ao lidar com a origem daquele recurso, as pessoas construíam uma relação com ele e principalmente usavam os recursos com mais eficiência.
Ao não nos dissociarmos da origem de tudo que nos cerca, nos tornamos estrangeiros em nosso próprio mundo. Nada ali nos interessa porque não nos diz respeito. O governo força a barra para construir uma hidrelétrica? São Paulo mais uma vez privilegia o transporte individual? A Nike mais uma vez tem problemas sociais com a produção de seus artigos? Nada disso nos diz respeito porque terceirizamos tudo que nos diz respeito. Comida, água, luz, energia. A única preocupação dos reis de hoje é ganhar o suficiente para pagar tudo isso.
E qual o mal dessa situação?
Há uma pesquisa sobre a coleta de lixo na cidade de Sommerville Massachusetts, onde morei por dois anos, mostrando que as pessoas de lá separavam menos o lixo que a vizinha cidade de Cambridge. Seria fácil dizer que isso se deve a Cambridge ter moradores mais ricos e por isso mais educados. O problema é que a diferença perdura mesmo quando se compara famílias similares em ambas as cidades. A grande diferença entre elas é que há muitos estrangeiros em Sommerville e poucos em Cambridge.
Estamos todos nos tornando estrangeiros?
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