A construção das Usinas de Jirau e Santo Antonio no Rio Madeira é um assunto distante demais para a grande maioria das pessoas; muitos até confundem Rondônia com Roraima. Por segurança, vale a pena repetir que o Rio Madeira fica em Rondônia, ao sul da Amazônia, e faz parte do arco do desmatamento onde se combinam alguma cobertura florestal com alguma infra-estrutura. Em Roraima, ao norte, se combinam muita floresta com quase nenhuma infra-estrutura.
O enredo da construção destas usinas tornou-se uma ópera-bufa. Tudo começou com o PAC passando por cima do Relatório de Impacto que mostrava que a construção das usinas iria comprometer as populações de dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), que a elevada carga de sedimentos iria rapidamente comprometer o funcionamento da usina, e que o aumento da superfície de água parada iria aumentar a malária na região.
Como sempre, os interessados colocam medo nos resistentes. Vamos ter um outro apagão por causa de um bagre! Os transgênicos vão acabar com a fome! Os iraquianos têm armas de destruição em massa! Nunca saberemos o quanto de verdade há nisto, mas também não importa. Essa parte da ópera já passou, terraplenada por Dilma.
No momento, a ópera das usinas do Rio Madeira se desenrola com um dueto entre empreiteiras. A Suez, que ganhou o leilão de Jirau, agora propõe que a usina seja construída em outro local, enquanto a Odebrecht, que perdeu, afirma que fez um preço para o local original e pede um novo leilão para o local. Elas nem se entendem quanto ao novo local. Uma diz que é 9,2 quilômetros de distância, a outra diz que é mais. Uma diz que o novo lago irá alagar 10 quilômetros quadrados a mais. A perdedora diz que serão 27 km2 a mais.
Se você quiser checar por si próprio, veja o local original em S 901952 e W 640 444 e mande você também seu palpite. Um a mais não será problema nesse enredo em que não se sabe nem mais onde será a hidrelétrica.
Há neste país uma autoridade que emita uma opinião de respeito? Os engenheiros das empreiteiras têm sua óbvia agenda. Os professores, tão ciosos de sua autonomia universitária, vendem-se por dois vinténs a qualquer um que pague. Os técnicos do governo são pagos, assim como os das empreiteiras, para ter um lado; eles devem priorizar os problemas ambientais.
Não investimos o tempo e o dinheiro para que nossos órgãos ambientais tivessem gente preparada e respeitada pela sociedade e agora pagamos o preço. Não sabemos se acreditamos em quem nos diz que vai ter apagão sem as hidrelétricas do Madeira, ou em quem afirma que elas vão sedimentar, matar o rio e parar de gerar energia elétrica em pouco tempo.
Não há nenhuma menção à economia de energia no libreto desta ópera. Ninguém falou, por exemplo, em instalar medidores de energia que registrem o horário do consumo de energia, de modo a dar descontos para o consumo fora do horário de pico. Como já foi cantado em verso e prosa, só falta energia de noite quando todos estão usando luzes e principalmente o chuveiro. Por falar nele, qualquer conjunto de canos expostos ao sol dá conta de oferecer um banho quente a custo zero. Sabe-se quanto custa para comprar um sistema de energia solar? Aquecer água com a mesma fonte nobre de energia que mantém um computador funcionando não é inteligente.
O último movimento da ópera foi o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, dizer que vai "blindar" o licenciamento de Jirau de modo a evitar que alguém depois discuta na Justiça e a licença seja revogada. Quando ele conseguir fazer isso, vou tentar também obter um habeas-corpus preventivo. Não importa o que faça, não poderei ser preso. Sou honesto agora, mas quem garante que continuarei assim se estiver "blindado"? O ministro do Meio Ambiente parece defender a causa dos empreiteiros e do ministério da Energia. Seria o ministro um Lobão em pele de mink?
Efraim Rodrigues, doutor em Ecologia pela Universidade de Harvard, é professor-adjunto de Preservação de Recursos Naturais e coordenador do Laboratório de Ecologia da Paisagem na Universidade Estadual de Londrina (UEL). É co-autor de Biologia da Conservação.www.efraim.com.br