Recentemente fui a uma loja de caça e pesca para comprar uma pistola. É uma loja enorme, de uma das maiores redes dos Estados Unidos, e vende desde fogãozinho para acampar até rifles de precisão. Como eu já tinha conversado com um atendente por telefone, e estava indo para fazer a aquisição, resolvi gravar um vídeo para mostrar como se compra uma arma por aqui. Chegando à loja, me dirigi ao departamento de armas e fui atendido por um senhor bastante simpático, um veterano de guerra. Puxei papo, disse que era brasileiro e que tinha escrito um livro contra o desarmamento, e que estava fazendo um vídeo sobre o assunto. Foi aí que lhe perguntei: posso filmá-lo falando sobre isso, sobre a importância das armas para a defesa própria? A resposta dele: não.
Para os brasileiros, falar “não” é tão difícil quanto escalar o Everest. Fosse no Brasil e eu teria ouvido algo do tipo “puxa, eu bem que queria, mas sabe como é, pode pegar mal com a gerência” ou “cara, seria um prazer te ajudar, mas eu não posso ir contra as normas da loja”. A nossa simpatia, tão difundida pelo mundo como a maior das qualidades brasileiras, não nos deixa falar um simples “não”. Não só isso, ela também nos faz interpretar um simples “não” como uma declaração de guerra, como uma negação pessoal, ainda que seja a primeira vez que falamos com a pessoa em nossa vida.
Quando você fala “não” sem ressalvas, fica desobrigado de mentir
Não saber falar e ouvir “nãos” é um tremendo de um problema. É uma carga gigantesca que a pessoa leva nas costas e um convite à mentira. Falar “não” é o princípio primeiro do direito a ser deixado em paz. É com o “não” que evitamos aqueles tão famosos “programas de índio”, é com o “não” que nos livramos daquele colega aproveitador, é com o “não” que deixamos de fazer o que não nos agrada. Fulano, vamos para a festa de 80 anos da tia Zulmira, lá em Pirapora do Fim do Mundo? Não. Sicrano, você topa ser meu fiador? Não. Beltrano, preciso de alguém para me ajudar na mudança lá de casa, é coisa pequena. Não. É claro que não estou defendendo aqui que você se negue a ajudar qualquer um que lhe peça. O que estou defendendo é que você exerça a liberdade de fazê-lo quando bem entender, sem ficar se remoendo por ter magoado alguém.
Quando você fala “não” sem ressalvas, fica desobrigado de mentir. Afinal, o que dizer para seu primo que faz questão da sua presença no aniversário de 15 anos da filha, bem no dia em que você tinha marcado de ver o Super Bowl? Ou você diz um “não” sincero, ou inventa uma mentira, ou faz o que não quer e vai à festa. Parece que não, mas essa prática de mentir para se livrar do “não” acaba levando a um comportamento treinado e socialmente aceito. Quem já não esteve com alguém num bar ou restaurante e ouviu “só não posta no Facebook porque Fulano não pode saber que não estou doente”? Outra consequência bem desagradável desse comportamento é ser pego de surpresa. A pessoa não tem coragem de falar “não”, mas depois tem coragem de não cumprir um prazo acertado, ou de não entregar um trabalho importante. E dá-lhe mentira para justificar.
Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que isso corrói a alma. Mentira é um negócio que destrói a integridade, e o fato de sermos um país de muitos mentirosos, a começar pela presidente da República, não diz muita coisa boa sobre nós. Lembremo-nos de que os políticos mentirosos são feitos da mesma matéria-prima que eu e você: de brasileiros. Por isso é tão importante que busquemos nos reformar moralmente, e parar de mentir por qualquer coisa é um bom começo. Que tal trocar o “puxa, vou ver e depois te falo”, o “acho que vai dar, sim, fique frio” e o “é quase certeza que eu vou, só preciso confirmar com minha esposa” por um simples “não”? Que tal assumir que o “não” do outro tem muito mais a ver com o que ele quer ou não fazer do que com o quanto ele gosta ou não de você? Por que não simplificar a vida e evitar mentiras em cascata? É criando o hábito de falar a verdade que eliminamos a mentira de nossas vidas. E é eliminando a mentira de nossas vidas que diminuímos a mentira ao nosso redor. E por aí vai.
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