Na semana que passou tive algumas experiências interessantes aqui nos Estados Unidos, que me levaram a esta reflexão. Elas aconteceram nos quatro dias em que estive numa feira de negócios, na Califórnia. Dentre elas destaco duas:
Durante a feira, não tínhamos toda a linha de produtos disponível para entrega imediata. Assim, ficamos de fazer o envio dos materiais faltantes para diversas pessoas, e nenhuma delas pediu nem sequer um comprovante de pagamento ou de compra. Elas apenas entregavam seu cartão de visita e pediam que a entrega fosse feita naquele endereço;
Na segunda noite, fomos jantar depois do fechamento da feira, e acabei levando minha mala com computador, produtos e recebimentos em dinheiro do dia, pois fomos diretamente ao restaurante. Jantamos, conversamos, pagamos e voltamos para o hotel, e só então lembrei de minha mala com tudo aquilo dentro. Voltei correndo ao local, já acometido de um certo desespero, e encontrei a mala exatamente no mesmo lugar, intocada.
Viver em um lugar onde a honestidade é muito mais regra do que exceção é muito bom. Você chega ao supermercado, informa que o caixa passou um pacote de cereal a mais na sua conta, e ninguém duvida de você; apenas devolvem o seu dinheiro, pois a sua palavra conta. Um grande amigo meu, em viagem recente a Orlando, deixou a carteira e o celular em cima do carro enquanto arrumava as filhas no banco de trás, e saiu dirigindo sem perceber. Dois quilômetros depois, se deu conta de que estava sem o celular e voltou ao hotel para refazer o caminho. Encontrou três carros de polícia parados, dois policiais na rua e uma terceira que veio ao seu encontro.
Viver em um lugar onde a honestidade é muito mais regra do que exceção é muito bom
“Bom dia, policial, acho que perdi meu telefone por aqui; deixei em cima do teto do carro e deve ter caído.”
“Achamos este celular, que deve ter se espatifado na queda. É o do senhor?”
“É este mesmo. Muito obrigado!”
“O senhor não perdeu mais nada junto com o celular?”
“Não que me lembre.”
“Tem certeza?”
Nesse momento ele passa a mão no bolso e percebe que está sem a carteira.
“Pensando bem, não estou achando minha carteira.”
“Quanto dinheiro o senhor tinha nela?”
“Uns US$ 1,8 mil.”
“Nós tentamos pegar todas as notas que voaram quando sua carteira caiu. Por favor, confira se falta alguma coisa.”
Estava tudo lá.
Uma sociedade em que existe o que se chama de “confiança básica” é uma sociedade de benefícios, do ganha-ganha, da sinergia. A falta de confiança básica, como os brasileiros bem sabem, gera dissabores, aborrecimentos, retrabalhos e custos. É a assinatura que precisa ser reconhecida em cartório, é o documento de transferência do carro que precisa ser assinado na frente do escrivão, é a escritura que precisa ser registrada – os cartórios brasileiros consomem um dinheiro inútil, que poderia ser empregado em algo produtivo se não fosse a falta de confiança generalizada em vigência no Brasil. Mas não é só isso: golpes e furtos constantes destroem o pouco de confiança que resta em parte da população, alimentando ainda mais essa estrutura de múltiplas verificações e autenticações.
Se fosse possível somar todos os recursos que vão parar nas mãos do Estado – em todas as suas esferas – com tudo o que é gasto pela ausência de confiança básica, e também com as despesas relativas à infraestrutura precária de nosso país, creio que descobriríamos que mais de 70% de tudo o que produzimos vai parar no lixo. Esse é o custo G, o custo da aplicação sistemática e constante da Lei de Gérson na política e na vida diária. É o custo do egoísmo, da mentira e da desonestidade. É o custo do cada um por si e todos contra todos.
E, para não deixar em branco, este colunista quer registrar que estará torcendo pelo impeachment de Dilma, domingo que vem, mais do que torceu pelo Palmeiras na final da Libertadores de 1999.
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