Operações da Polícia Federal têm acontecido com mais frequência – e sucesso – que shows da Cláudia Leitte. Aliás, se cultura, segundo critério constitucional, é aquilo que se refere “à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (art. 216 da CF), por que essas ações não se enquadrariam como bens culturais? O que não falta são grupos formadores da sociedade brasileira se sentindo muito mais representados por elas que por qualquer telenovela. A cada semana esperamos, tal qual um seriado, o próximo episódio: quem será preso, quem permanecerá preso etc. Livros já foram escritos, outros tantos virão, além de filmes, seriados, é só esperar. Só não vai aparecer um deputado propondo lei declarando essas operações como patrimônio cultural porque, bem, vai saber que ações vêm aí pela frente, não é mesmo?
Semana passada, se não me perdi nas contas, foram umas quatro. Teve para todos os gostos; a que mais fez barulho foi a “Boca Livre”, que investiga fraudes em mais de 250 projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura, desde 2001, com base na Lei Federal de Incentivo à Cultura, a chamada Lei Rouanet. Estima-se que em torno de R$ 180 milhões foram desviados, bancando, dentre outras coisas, casamento, festas particulares, eventos corporativos.
Artistas parecem mais preocupados com a “criminalização” da cultura que com a boca livre existente
É interessante comparar a postura de alguns artistas e agentes culturais sobre isso – também sobre a possível CPI da Lei Rouanet, proposta recentemente na Câmara dos Deputados – com a de quando o novo governo anunciou a fusão do Ministério da Cultura ao da Educação. Foi um griteiro danado, agiram como se a cultura brasileira tivesse sido extinta, não houvesse mais como ser financiada, incentivada. E o ministério nem tinha sido extinto, manteria sua estrutura e projetos. A perda era mais nominal, talvez de prestígio, não muito mais que isso. Agora, como agem? Parecem mais preocupados com a “criminalização” da cultura, com a “demonização” da lei, que com a boca livre existente.
Sei que pode parecer não ter nada a ver com isso falar sobre a tal “cultura do estupro”, mas tem. A expressão voltou à tona depois de um estupro coletivo cometido contra uma menina na saída de um baile funk, no Rio de Janeiro, semanas atrás. O lado bom dessa expressão é que toma a palavra cultura no seu sentido original, que escapa à mera referência aos bens culturais representativos disso ou daquilo, mas reporta ao processo de formação da personalidade humana. Tudo, então, que levaria à formação de um estuprador tem de ser considerado aqui, faz parte dessa cultura. Portanto, como dissociar o estupro do baile funk que o antecedeu, quando é impossível contestar que o incentivo à prática sexual é uma regra nesses bailes? Basta assistir a vídeos espalhados por aí, prestar atenção nas letras das músicas, para se constatar isso.
O que teria a ver com política cultural? Você conhece o Projeto de Lei 4.124/2008, proposto pelo deputado Chico Alencar, do PSol/RJ? No último dia de maio ele recebeu parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara dos Deputados. O projeto define o funk como “forma de manifestação popular, e, enquanto tal, digna do cuidado e proteção por parte do poder público”. Ainda determina que “qualquer tipo de discriminação, preconceito ou desrespeito (...) contra o movimento funk ou seus integrantes submeter-se-á às penas da lei”.
Volto ao tema semana que vem, antes que vire caso de polícia cultural.
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