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Francisco Escorsim

Alexandre

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(Foto: Reprodução)

Vivemos em dois tempos. Um, o do relógio, passa enquanto passamos, é o tempo do esquecimento. O outro nunca passa, é o do para sempre, deixando tudo como que suspenso no ar, o tempo do significado. De vez em quando eles coincidem, como na morte de alguém próximo, aí o segundo tempo congela o primeiro, impedindo se possa seguir adiante sem um sentido maior, um significado suficiente. Foi o caso de Jó, que perdeu tudo e ainda padecia ferido de chagas malignas das plantas dos pés ao cume da cabeça, ficando parado no tempo, sentado em meio às cinzas, coçando-se com um caco de cerâmica, aceitando o destino, mas querendo saber por quê.

Um menino de 2 anos morreu semana passada. Morreu abruptamente, chocando a todos, na véspera do dia das crianças. Estava doentinho, foi ao hospital, complicações, de lá não mais voltou. A causa ainda não se sabe ao certo. Deixou órfãos seus pais e irmão. Pior. A avó do menino, mais de 40 anos atrás, montou um jardim de infância. A escola cresceu, as filhas foram trabalhar com a mãe e lá estão com ela a cuidar de tudo.

É inevitável entrarmos no modo Jó na hora da tragédia. Por que Deus permite algo assim?

Quem me conhece sabe o quão crítico sou de escolas, menos desta. Meus filhos estudaram, estudam lá. Nunca tive uma queixa, um senão. Escola à moda antiga, daquelas que tanto faz a metodologia, porque nunca vi amor e dedicação igual, contagiando todos. Não há professor que não conheça as crianças pelos nomes, da escola toda, tampouco conheço outra que dê tanta liberdade aos pais para entrar e sair e ver seus filhos brincando e aprendendo, não somente recebendo as crianças limpinhas no portão, na hora da saída. Pois o menino que morreu era da escola, filho de uma das coordenadoras, neto da fundadora.

Infelizmente, a família não teve tempo para sentar em meio às suas cinzas. Não demorou para o WhatsApp se tornar campo fértil para a histeria, com todo tipo de especulação, fofoca e maledicência. A história correu a cidade. “Estão escondendo o que houve”, “Se seu filho é amigo de alguém da escola, não deixe eles brincarem juntos” e por aí foi. Fizeram uma reunião com os pais da sala do menino, junto com o pediatra e pessoal da Secretaria de Saúde, explicando que não foi meningite, que a hipótese mais plausível era a de uma bactéria comum ter entrado na corrente sanguínea, um caso raro. Por fim, um recado da mãe, devastada, pedindo não considerassem o filho uma espécie de vilão.

É inevitável entrarmos no modo Jó nessas horas. Por que Deus permite algo assim? Na história de Jó, três amigos tentaram lhe consolar, dizendo que alguma razão Deus teria para permitir perda tamanha. Respondeu-lhes Jó: “Vós não sois senão embusteiros, todos vós meros charlatães. Quem, portanto, vos imporá silêncio, a única sabedoria que vos convém!” Não bancarei o consolador imprudente, não sei a resposta. Sei que na história de Jó, do seio da tempestade Deus surgiu e quem quiser saber como termina que leia na Bíblia.

No tempo do relógio, acontecimentos assim nos fazem perguntar, como Jó: “Que forças me sobram para resistir? Que destino espero para ter paciência?”. Mas sei que a família é cristã. Todo fim de ano, na festa de encerramento do ano letivo, os alunos interpretam a história do nascimento de Cristo. Salvo engano, no ano retrasado, o bebê escolhido para ser o menino Jesus foi o neto da fundadora. O que isso significa? Viu como vivemos em dois tempos? O Alexandre, agora, é puro significado.

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