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Francisco Scorsim

É a narrativa da história, estúpido!

A história é contada pelos vencedores, constatou George Orwell. Poucos enxergaram, como ele, o estrago que a manipulação ideológica da linguagem causa, mais do que bem retratada em sua obra famosa, “1984”. Mas ele não viveu para ver o capítulo seguinte: se a história é contada pelos vencedores, então, quem vence é quem conta a história no fim das contas, ainda que tenha sido derrotado na realidade. A guerra, assim, passa a ser muito mais de narrativas do que outra coisa. Ou seja, quem consegue impor a sua narrativa, seja por convencimento, seja por censura às contrárias, vence. Exemplo perfeito: qual narrativa se impôs sobre a última ditadura militar brasileira? A dos supostos derrotados.

Como conseguiram? Não pelo confronto com os militares, mas pela ocupação quase completa dos espaços onde são formados os “contadores da história”, como as faculdades de História e Jornalismo, com consequente controle da imprensa e quase todo mercado editorial. Praticamente todas as fontes de informação e formação dos brasileiros foram se tornando “de esquerda” a partir da década de 70, chegando ao auge em fins da década de 90 e início do novo século, quando o domínio se consolidou também em termos políticos, chegando ao ponto da direita sumir, literalmente, como bem observou Lula em discurso de comemoração aos 45 anos do IPEA, proferido em 16/09/2009, disponível no Youtube, no qual disse: “Pela primeira vez nós não vamos ter um candidato de direita na campanha. Não é fantástico isso?”

O monolito discursivo do “É golpe!” só faz sentido em vista de um passado que se quer preservar no futuro

Quando se chega a isso é porque já se venceu no campo cultural décadas antes. Retorne-se aos jornais da década de 90, por exemplo. Conta-se nos dedos de uma mão os articulistas etiquetados como “de direita”: Roberto Campos, Paulo Francis, depois Olavo de Carvalho e, mais alguém? Foi durante essa década que fiz o então segundo grau escolar e cursei a faculdade de Direito. Somente depois de sair da faculdade que fui me perguntar: “por que sou de esquerda?” Eu não sabia. Nunca ninguém havia me “doutrinado”, jamais lera ou estudara Marx etc. Se eu era de esquerda é porque assim parecia ser o certo, o natural, o óbvio. E por que parecia assim? É até simples. A narrativa de esquerda da nossa história recente já havia vencido, era hegemônica, era “a verdade”. Ser de direita era ser defensor de ditaduras, contra os pobres etc. Quem ia querer ser isso, em sã consciência? Ninguém, é claro. Então, quando se chega a uma realidade em que a direita não tem nem candidato, seria fantástico mesmo, não? Vitória da democracia, claro.

É por isso que à turma agora “impichada” é muito mais importante se apegar, histericamente, à sua narrativa da história que estamos a viver, ainda que ridícula e insensata, ainda que lhe custe o poder imediato. O monolito discursivo formado do cuspe narrativo do “É golpe!” só faz sentido em vista de um passado que se quer preservar no futuro. Não é estratégia de defesa em processo judicial. José Eduardo Cardozo não é o tolo que se imagina, é mais um dos “heróis” de uma fanfic que se conta desde a ditadura militar e que já se impôs como a verdade dos fatos faz décadas, sem jamais ceder à realidade.

E a direita renascida, qual sua narrativa? Bem, se for para ter uma “sua”, tanto faz, será tão maléfica quanto a da esquerda atual. Porque se aceitarmos que se trata mesmo de uma “guerra de narrativas”, todos perdemos. A guerra tem de ser contra a mentira, seja de esquerda, seja de direita, sempre e em todos os lugares.

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