Volta e meia faço uma pegadinha reveladora com amigos. Pego um texto que não seja de política, escrito por alguém da direita, como Reinaldo Azevedo, e mando para um amigo esquerdista dizendo que Frei Betto é o autor. Em 100% dos casos o leitor adora e aí eu me divirto com a reação ao revelar a verdade. Faço o mesmo com amigos de direita. Uma vez mandei um texto do Michael Moore como se fosse do Rodrigo Constantino e o sujeito adorou de paixão, quase vomitando depois. Recomendo a brincadeira, é terapêutica.
Não faz muito tempo esta Gazeta do Povo fez algo semelhante quando da visita do ex-presidente uruguaio José Mujica. Foi feito um quiz com 23 frases dele e de Augusto Cury, o guru da autoajuda, para ver quem conseguia discernir a autoria. Mandei para um amigo fã de Mujica e que se considera representante dessa esquerda Shakira, a dos piez descalzos, pedindo para identificar quais eram as frases do ídolo, mas sem dizer que as outras eram do Cury. Ele acertou apenas dez. Ficou ofendido, brigou comigo até. Como ele faz aniversário em dezembro e sou desses que perdem o amigo, mas não a piada, já comprei exemplares de O Médico da Humanidade e a Cura da Corrupção e A Revolução Tranquila e trocarei as capas, dando o do Cury com a capa do outro (aposto que você não sabe qual livro é de quem, não é, amigo leitor?). E não, não estrago a surpresa contando para vocês, ele não lê quem considera de direita, é demasiado humilde para tanto.
No Brasil, infelizmente, tudo se apequena em ideologia, coisa triste
Enfim, lembrei-me disso durante a semana passada. Primeiro, quando vi um anúncio do Movimento Brasil Livre na internet perguntando o que leva uma das maiores democracias do mundo a eleger uma figura grotesca, machista, homofóbica e racista; um falastrão com discursos confusos e desconexos que roda o mundo com seus filhos ricos e mimados; que se gaba de obter seus votos nos rincões do país e ataca os centros urbanos escolarizados; ganhou fortunas com a construção civil e obras faraônicas; um demagogo, narcisista, mentiroso. Aí, no fim, aparece o nome de Lula, não o de quem todo mundo estava pensando. Achei bem bolado, como diria o Silvio Santos, ainda que nem Lula, nem quem todo mundo estava pensando sejam tudo isso.
Depois, veio a invasão do Congresso Nacional por intervencionistas militares. Foi hilário ver tantos comovidos com as “ocupações” das escolas se escandalizarem com os intervencionistas, considerando o ato deles um atentado à democracia. Ué, mas, se a “ocupação” das escolas é legítima, por que a do Congresso Nacional não seria? Por que não dizer se tratar de uma primavera intervencionista, um exercício do direito legítimo de manifestação e bibibi e bobobó? E como não lembrar da tentativa dos professores de invadir a Assembleia Legislativa do Paraná, naquele fatídico abril do ano passado? Se os professores estavam certos então, por que os intervencionistas de agora estariam errados? Os fins justificam os meios? Igualmente engraçado é ver quem criticava os professores por isso, também achando absurdas as “ocupações” escolares”, mas incentivava a invasão do Congresso nas manifestações populares dos anos anteriores e agora aplaude, ou se cala, diante da dos intervencionistas.
No Brasil, infelizmente, tudo se apequena em ideologia, coisa triste. Menos mal que, para cada Cazuza que só sabe viver assim, há dezenas preferindo dizer: “nossa ideologia é rir para não chorar”. Aliás, quem disse isso: padre Fabio de Mello ou Mamonas Assassinas?