Em 1950, o ano do Uruguai, Curitiba sediou dois jogos da Copa no Estádio Durival de Britto e Silva. Para quem não se lembra do local, é aquele quase embaixo dos viadutos nas pontas da Mariano Torres e da Ubaldino do Amaral. Hoje pertence ao Paraná Clube. Essas indicações são importantes para a comparação da situação cinquenta e nove anos depois. O estádio curitibano que sediou a Copa é, para o padrão moderno, um campo de futebol que mal se vê na travessia apressada dos viadutos. Essa aguda diferença na cidade também ocorre com a Copa: antes da televisão, jogos do novel esporte bretão eram acompanhados por alguns aficionados; depois passou a ser espetáculo imobilizador de bilhões de pessoas diante da tela e mobilizador de cifras imensas de dinheiro. O Brasil conquistou o primeiro título em 1958, na Suécia, despertando o ufanismo que impulsionou o governo JK, alvo de polêmica por causa do início da construção de Brasília.

CARREGANDO :)

Os dribles desconcertantes e improváveis que brotavam das pernas tortas de Mané Garrincha, a elegância do adolescente Pelé, a fleuma de Didi que não se abalou diante do primeiro gol feito pela Suécia na partida final, o turrão e persistente Zagallo, a quem tivemos que engolir durante décadas. De uma composição heterogênea, surgiu a inesperada vitória e o gesto do Capitão Bellini levantando a taça Jules Rimet. Passamos a ser o país da excelência no futebol, vencemos mais quatro Copas, jogadores se tornaram produto da pauta de exportação, mas não trouxemos os jogos outra vez para nossos estádios. Essa contradição entre a glória dentro de campo e a frustração de não jogar em casa pode parecer paradoxal, mas não é. Ajeitamo-nos para as Copas, porém descuidamos da cozinha. Cidades caóticas, sujas, violentas, sem transporte coletivo decente, aeroportos com pistas e equipamentos de campo de pouso, estradas perigosas; o brilho nos gramados da Copa era diametralmente oposto à encardida situação na cozinha de casa.

Ao receber o encargo de sediar a Copa de 2014, o país assumiu o compromisso, diante do mundo de lavar, polir e reformar todo o seu mobiliário urbano, esportivo, viário, propiciando aos milhares de visitantes uma estada segura e prazerosa, para que possam se emocionar com os jogos sem alto risco de violência nos estádios e fora deles. O Brasil que sediou a Copa de 1950 era uma curiosidade para estrangeiros que apontavam Buenos Aires como nossa capital. Hoje se pensa que é o Rio ou São Paulo, uma melhora considerável. Todavia, a ideia de perigo, corrupção, polícia violenta, paraíso sexual moreno, é muito forte e pode espantar os turistas. É importante que as obras físicas e sociais preparatórias de condição de bom anfitrião sejam encetadas logo, para que no imaginário popular o Brasil seja visto como pobre, mas limpinho, seguro e aprazível.

Publicidade

Haverá investimento de quantias expressivas para as obras necessárias; não faltarão críticas a esse dispêndio. As comparações serão bizarras, tais como dizer que o custo da construção de um belíssimo estádio seria suficiente para alimentar milhões de pessoas, ou para construir milhares de casas populares. Confunde-se a caridade que não gera riqueza, apenas mantém o pobre na pobreza, com investimentos que transformam cidades, incrementam a economia e provocam elevação geral do padrão de vida. A expectativa é que a mobilização desses recursos se dê sem política paroquial e locupletamento de alguns espertos. A concessão à iniciativa privada para a construção e exploração pode abreviar o tempo e reduzir custos.

Nos anos 60 se imaginava que em 2000 as pessoas voariam de um lugar para outro instantaneamente. Se em 2014 houver metrô para ir ao Estádio do Atlético, será um pequeno passo para um indivíduo, mas um grande passo para Curitiba.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP