Ao assistir as notícias sobre a tragédia climática em Santa Catarina, a retina ficou marcada pelas imagens fortes da destruição causada pela chuva. As manchas de lama deslizante nas encostas, os campos cobertos por água barrenta, a mobília das casas sucateada nas ruas, a contagem das vítimas fatais e dos feridos, formam um quadro pungente que ativa as emoções mais profundas de solidariedade. Essa compaixão rapidamente se transformou em ação e as doações chegaram aos flagelados.
Entre as muitas reflexões possíveis sobre esse acontecimento demolidor do mito de que estamos livres de catástrofes naturais, se destacam três: a relação de causa e efeito entre a erradicação da floresta e a extensão dos danos, a essencialidade das Forças Armadas e a têmpera das vítimas. É certo que diante de um evento tão significativo várias análises podem ser feitas, mas esses aspectos são muito agudos.
A ocupação sem freios das várzeas e das montanhas é o padrão da humanidade. Há seis mil anos os primeiros agricultores produziram o deserto entre rios que se vê hoje no Iraque. Os ecocídios alcançavam áreas pequenas e o vácuo demográfico permitia a migração em busca de espaços virgens que dessem sustento às pessoas. Algumas áreas degradadas conseguiram se recuperar, outras não, a exemplo da Ilha da Páscoa que restou praticamente inabitável depois da derrubada de todas as árvores feita pelos ilhéus pré-hispânicos. Hoje somos bilhões e não há lugar ermo para ir depois da degradação ambiental; somos compelidos a pagar caro e à vista pelos benefícios obtidos com o uso dos recursos da natureza.
Árvores de plástico ou de qualquer outra coisa que fabriquemos não substituem as naturais. O nosso engenho e arte são insuficientes para criar ambiente artificial apto a sustentar a vida em condições agradáveis. Preservar a saúde de Gaia, a Terra, mantendo minimamente árvores nas montanhas e nos cílios das águas, é um ato de humildade diante da sofisticação da natureza que sabemos explicar parcialmente, mas talvez nunca consigamos criar.
O segundo aspecto que se destaca em meios aos escombros é a atuação das Forças Armadas, reunindo Bombeiros, Defesa Civil, Policiais, Exército, Marinha e Força Aérea. Na desarrumação intensa das condições de vida civil, a presença de uma estrutura hierarquizada funciona como garantia de que não haverá eclosão da selvageria. Os saques a mercados e às casas vazias tornam péssimo aquilo que está ruim. As vítimas se vêem à mercê da maldade de pessoas que aproveitam a fragilidade para obter vantagens imorais ou ilícitas. Manter a ordem é condição essencial para que o socorro seja eficiente e a restauração das condições da civilidade ocorram com brevidade. Os uniformes enlameados e as condutas limpas causam sensação de segurança para quem foi vitimado pelas águas. Sentir-se protegido é muito valioso para quem ficou ao relento, sem a guarida da casa e do emprego. Os militares brasileiros dão importante amostra do seu valor cívico no vale do Itajaí, a exemplo do que fazem no Haiti.
Por fim, não se ouviu a prostração ínsita no "Deus ajuda" ou "A gente vai esperar o governo". Pessoas que sofreram perdas resolutamente afirmam que tudo estará reconstruído em um ano. Esse vigor social soa como réquiem da passividade à Jeca Tatu e, como elemento imaterial do desenvolvimento, está ao lado do trabalho e do capital. É uma mobilidade intelectual, uma predisposição a agir para gerar riquezas, nutrida pela confiança de que os direitos e deveres serão observados com rigor por todos os membros da comunidade. Essa virtude social é geradora da prosperidade e trará a alegria de volta a Santa Catarina.
Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.