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Dois marcos químicos na sexualidade humana estão na memória da geração pós-guerra: a sensação de liberdade trazida pela pílula anticoncepcional e a de eternidade carreada pelo Via­­gra e outras coisas do tipo. En­­quanto Luiz Gonzaga dizia que estava madurão e precisava de ovo de codorna para não acontecer (passar vergonha no ato), o mundo ocidental girava devagar, as mudanças sociais ocorriam no ritmo lento da seresta, à Vicente Celestino. A cisma entre sexo e reprodução acelerou a vida para o compasso do rock-and- roll e o ponto da gemada desandou. Não foram os jovens rebeldes dos anos 60 e 70 que destrambelharam o mundo, foram os químicos!

Queimando sutiã em praça pública, caminhando contra o vento sem lenço, sem documento, em busca da sociedade alternativa onde é tudo da lei, até que ficou tudo down no high society e Elis morreu escravizada pela cocaína sem que lhe fosse acessível a alforria. Hendrix, Joplin, Morrison, Cobain, morreram como os poetas românticos do século 19 que se empanturravam de álcool e ópio e ficaram igualmente distantes nas lembranças nesses tempos voláteis de rebolation baiano.

Os porta peitos voltaram à moda, as perinhas foram substituídas por melões de plástico, as meninas que desfilavam na Por­­tela viraram halterofilistas com aparência testosterônica; de repente os jovens se viram velhos e da tríade sexo, drogas e rock-and-roll, nada restou. Para o sexo, o sol da existência cumpriu seu arco e a sombra da senectude ficou extensa; para as drogas, a destruição dos laços de família e da tranqüilidade pública diante da dependência servil de uma ju­­ventude transformada em fonte de renda de merceeiros de maconha, cocaína, êxtase, crack; para o rock-and-roll, os sons monótonos do funk são o túmulo do samba. Muita coisa mudou para que tudo ficasse do mesmo jeito.

Nesse ínterim de quarenta anos, muito ovo de codorna para não acontecer o "problema", até que os químicos – os verdadeiros revolucionários – vieram salvar os brios dos motoqueiros, pose easy rider de Peter Fonda e perímetro abdominal de lutador de sumô, pondo nas farmácias a segunda pílula da felicidade, assanhando homens cuja flor da idade já murchou há muito. Nova cisma, agora entre sexo e idade e lá estão os vovôs vendo a uva, turbinados por sildenafil, tadalafil e outros tipos de refil que dão vida nova à panela velha.

Não há isolamento de eventos; acontecimentos pequenos produzem efeitos circundantes de igual intensidade; eventos sociais de grande escala, geram efeitos poderosos nos sistemas circundantes. Das uniões afetivas intergeracionais estimuladas pelos poderes da medicina estão restando viúvas jovens que pesam sobre a previdência social por décadas. O vovô fica valente, mas não vai em frente.

Tende-se a pensar que o modo de viver é fruto exclusivo da colusão de vontades. Não é tão simples assim. As circunstâncias também fazem o homem e as possibilidades abertas pela anticoncepção e pelos estimuladores de ereção ainda não foram exploradas integralmente; as sociedades, não engessadas por religião, estão diferentes do que eram no final dos anos 50 e os modos de viver a sexualidade continuarão em experimentação. A pudicícia deixou de ser imperativo social, isto é, coerção da sociedade para se tornar tema moral, decisão íntima da pessoa. Nessa medida, os jovens contestadores que esperavam a Era de Aquarius conseguiram reduzir a hipocrisia que cercava o pudor. Contudo, no mais, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.

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