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É da natureza da atividade política tomar decisões difíceis que causam ressentimentos e oposição. Os políticos carentes de firmeza decisória somem da memória, não são estadistas. Quando ocorre a protelação das decisões árduas durante muito tempo, o país começa a enfrentar problemas causados pela indefinição sobre os objetivos a alcançar e sobre os caminhos mais adequados para conduzir as ações públicas e particulares na direção das finalidades almejadas. Nessa medida, a palavra de ordem da campanha de Barack Obama -- Sim, nós podemos mudar – transmite o sentimento de que se está diante de um pessoa capaz de definir objetivos e convencer o povo a trabalhar para realizá-los. A certeza sobre as aptidões de Obama só virá se, eleito, gerir com maestria o débâcle econômico e político que Bush entregará ao sucessor.

Certamente, na realidade brasiliana houve estadistas no Legislativo e Executivo dos municípios, estados e União. Mas não basta um estadista para fazer uma nação. É preciso a conjunção de pessoas e de idéias para gerar o ânimo de romper a mediocridade e, ao fazer as escolhas difíceis, dar ignição no desenvolvimento econômico e cultural. O acúmulo de situações mal resolvidas fez o Brasil ficar à deriva nos anos 80; por outro lado, algumas poucas definições dos anos 90 permitiram o recente surto de crescimento. Os constituintes tinham o dever primário de apontar finalidades e estruturar os meios para alcançá-las. Não o fizeram. Na verdade, a Constituição se transformou num remanso de problemas sem as escolhas dentre as soluções possíveis e, com isso, na rotina da cidadania, o Judiciário se transformou no desaguadouro das grandes questões nacionais.

Ao primeiro olhar, o protagonismo decisório do Poder Judiciário é um avanço institucional porque os juízes não são políticos, isto é, não dependem de eleição, estão afastados das emoções fortes e tomam decisões com verniz técnico. Ora, decidir sobre a vida dos outros é exercer poder político, ainda que a decisão venha escrita em português castiço e não na linguagem coloquial, quase chula, usada por vereadores e presidentes da República. Essa é uma situação em que a distinção entre a aparência e a essência é difícil de ser feita. A estética e fonética das sentenças causam a impressão de que as aparentemente confusas e irracionais decisões dos políticos são de má qualidade.

As reservas indígenas, a fidelidade partidária, células-tronco, os efeitos civis das relações homoafetivas, o enfrentamento do crime organizado, dentre outras questões sensíveis, estão na pauta da judicialização da política. A imobilidade do Congresso Nacional transferiu para o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, o poder de decidir praticamente em tese e, mais que isso, editar leis na forma de súmula vinculante.

Sentenças de boa qualidade moral são efetivamente descomprometidas com as querelas conjunturais da política, mas, ainda assim, são atos políticos, nos quais se faz escolhas entre alternativas e pessoas. Quando os políticos erram, correm o risco de perder eleições. Os juízes, quando erram, permanecem errando vitaliciamente. Feitas as devidas adequações, o ativismo judicial, que leva o Judiciário ao centro da ribalta pública, se assemelha às monarquias porque não há meios de cobrar a responsabilidade política pelas decisões tomadas.

É desejável que o Legislativo reocupe o espaço central do processo político e reduza a presença do Judiciário. Mesmo que as coisas corram nessa direção, é imperioso que a sociedade brasileira preste mais atenção às nomeações de juízes para os Tribunais Superiores. A postura ética e o engajamento político dessas pessoas devem ser fundamente conhecidos e debatidos antes da investidura num cargo de tanto poder e sobre o qual se pode exercer pouco controle. A política, com as suas responsabilidades, deve estar ao encargo de quem tem legitimidade democrática e não, burocrática.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor da UTP.

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