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Friedmann Wendpap

Bon mot

 | Felipe Lima
(Foto: Felipe Lima)

Os estudos e a argumentação sobre a União Europeia não são hagiologia. Está-se a falar de algo humano, talvez demasiadamente humano, susceptível à grandeza e à mediocridade das pessoas que pensam e das que executam os projetos de construção do Estado Federativo da Europa, a mais sofisticada obra de engenharia política encetada.

Tal qual a Babel do Sacro Império Romano-Germânico, as multímodas expressões culturais, linguísticas, aspirações nacionais, são retratadas em conjunto normativo complexo, por vezes sobreposto, mas nunca imposto. A União Europeia será, por tempo ainda não estimável, seara de proposição, debates demorados, sensação quase paquidérmica.

O valor mais importante da construção da União Europeia é o modo como se executa o projeto

Os bolcheviques construíram a maior federação da história, alcançando 15 Estados Unidos e território cinco vezes maior do que o da União Europeia. Manu militari, em pouco tempo se estabeleceu a superioridade da União sobre os Estados-membros e a autonomia local foi reduzida a quase nada. Construção rápida; ruína célere. Em 70 anos o que era granítico derreteu como gelo ao sol.

O valor mais importante da construção da União Europeia é o modo como se executa o projeto. A opção deontológica pela democracia – com todos os seus custos de morosidade, avanços, recuos, estagnações – faz a démarche angustiante àqueles que prezam pela pressa e, para quem não enxerga a finalidade no horizonte, as extensas discussões em muitos foros soam inúteis.

A democracia – produto europeu par excellence – é a quintessência, o cume das formas de convivência aptas a gerar paz, riqueza, alegria de viver porque nela os dirigentes não temem os dirigidos e vice-versa, como diz o filósofo Roberto Romano ao versar sobre as razões de Estado.

O solipsismo é ter o arcaísmo como projeto porque toma as identidades soberanas formadas nos séculos 16 ao 18 como imutáveis. É preciso considerar as alterações do contexto que reduziram as porções de poder à mão dos Estados europeus.

Há 70 anos, nos primórdios, os europeus estavam premidos entre gigantes a leste e oeste. Tabuleiro de xadrez para jogo em relação ao qual eram espectadores. A execução do projeto de integração/união foi reduzindo os espaços de poder dos Estados Unidos e da União Soviética. Unir-se era condição para sobreviver como entes soberanos. O medo sobrepujava as resistências à aproximação intereuropeia.

O fim abrupto da URSS eliminou o medo do processo de integração, levando-o a patamar superior no qual a razão, e não a paixão, fundamentam a ação. Se na origem o projeto da União Europeia tinha componente hobbesiano, o fim da ameaça soviética abriu oportunidade para que a integração ocorra por fatores endógenos, racionais.

Unir-se por medo, por sobrevivência, é instintivo e pouco meritório. Unir-se porque a cooperação traz melhores resultados aos povos que se integram por meio de eliminação de barreiras políticas e culturais exige larga compreensão e fina habilidade política. Mais do que bon mot, o projeto de União Europeia e o modo de execução iluminam as possibilidades de solução de inimizades, malquerências, entre povos.

Construímos um Estado lusófono na América ao passo que os hispanos se dividiram e se desentenderam. A unidade que a Europa busca já temos faz 200 anos. Relevante para nós é a democracia de verdade, sem as falácias populistas, como ambiente para a superação de divergências profundas.

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