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A explicação para o feriado dada ao piá do mato sobre o significado de "Inconfidência Mineira" e "Tiradentes" deixava muita coisa no ar. O que é inconfidência? Será que os mineiros são desconfiados por causa dessa indiscrição? Por que Tiradentes? Se faz dentaduras, é "botadentes", pensava com meus botões. O significado histórico e cívico se perdia pela imediação com a Páscoa, quando a imagem de outro barbudo invadia as revistas, jornais, procissões e encenações na escola. Ah, não havia televisão nos confins do Paraná nessa época.

Tiradentes e Jesus. Joaquim Silvério dos Reis e Judas Iscariotes. Bem e mal. Polarização de santo e demônio, sem semitons, contextualização. Essas semelhanças me atordoavam e faziam perder o senso de realidade, como se tudo fosse mitológico, devaneios de culto a santo laico em paralelo ao santo religioso. A narrativa quase sádica do calvário se confundia com as estações onde partes do corpo do alferes/dentista foram espalhadas. Coisa triste, melhor nem pensar!

Sem capacidade de análise suficiente a formar julgamento, a folga do feriado se impunha e a cabeça sossegava, preenchida pela diversão da bicicleta, dos papagaios, banho no rio. Calmaria que terminava junto com o feriado porque no dia seguinte, aniversário do Brasil, havia aula. Por que não era feriado na data que me parecia mais importante que a de Tiradentes? A descoberta foi o derradeiro reencontro de humanos que haviam se separado há uns 20 mil anos, quando saíram do nordeste da África e seguiram rumos divergentes. Nesse momento a globalidade e a finitude do planeta ficaram evidentes e eu pensava sobre o assunto em português porque os lusitanos se lançaram ao espaço de modo mais arrojado que os astronautas. O menino não usava essas palavras, mas a ideia não muda porque o modo de explicá-la é simples ou sofisticado.

Os desenhos sobre cartolina – quase rupestres de tão toscos – de caravelas, do Monte Pascoal, da primeira missa cobriam as paredes da sala de aula. Esquecido, um dos cartazes do Dia do Índio se camuflava com as outras cenas, tornando caleidoscópicas as comemorações que se mesclavam no frescor da imaginação pré-ginasial.

Inocência em demasia? Não sei. Porém, é certo, havia menos azedume pretensamente crítico. Hoje, o mau humor em relação às datas cívicas parece condição necessária à inteligência e virou moda flagelar-se para expiar a "culpa" da expansão cultural dos europeus sobre outros povos, fazer caretas constritas de remorso como se os viventes fossem os autores diretos de acontecimentos remotos. Soa inadequado julgar o passado distante a partir dos valores do presente. Até por isso a punibilidade dos crimes tem prazo: a conduta deve ser avaliada inserida no seu tempo.

A mitificação que ensejava as indagações da minha infância parece ter sido substituída por explicação tendenciosa, parcial, com ares de cientificidade, mas que, a rigor, mantém o maniqueísmo simplório entre luz e penumbra, apenas mudando os polos e adicionando gotas de rancor. Os estudantes, creio, permanecem tão confusos quanto eu me sentia e, na troça de criança, também digam que o feriado é do botadentes.

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