As fronteiras do Brasil foram definidas, em seus contornos principais, pelos portugueses. Nós, brasileiros, perdemos a Província Cisplatina, ganhamos o Acre, pedaços do Amazonas, a área de Palmas (sudoeste do Paraná, oeste de Santa Catarina). Situação muito diferente dos norte-americanos que começaram numa franjinha à beira do Atlântico e expandiram o território por compra, ocupação, guerra, até chegar ao Pacífico. Por força dessa diferença, os norte-americanos ocuparam o interior enquanto o nosso sertão permaneceu deserto; amontoávamo-nos no litoral como se o agreste, o cerrado, as florestas fossem o fim do mundo.
Levar a capital para o centro do país, tornando-a equidistante foi extremamente importante para consolidar o sentimento de pertença à nacionalidade. A unidade do Brasil não é fato, é ato; ela precisa ser cerzida todos os dias pela vontade dos brasileiros. Sem a alocação central da capital política, a distância não era apenas física; havia o sentimento de lonjura, de não pertencimento político. Nessa medida, Brasília consolidou a unidade nacional, reduzindo a possibilidade de fragmentação do Brasil em países pequenos, a exemplo do ocorrido na América hispânica. O discurso do separatismo perdeu o argumento de maior apelo e se confinou a resmungos com cariz retrógrado. Brasília dá aos brasileiros a sensação de que são politicamente iguais, independentemente do lugar de viver no território; tem-se a impressão de que todos, a exemplo do João do Santo Cristo, podem ir a Brasília falar com o presidente pra ajudar toda essa gente. Esse valor de Brasília para a nacionalidade não é mensurável em dinheiro. Compartilhar sentimentos positivos é parte dos liames que formam uma nação.
A repetição acrítica da tese de que Brasília foi cara e que essa despesa gerou a hiperinflação da virada dos anos 80 para 90 ainda pesa nos julgamentos feitos em mesa de bar. Na verdade, a decisão de JK não se limitou a construir a cidade, ela foi além: era preciso abrir os caminhos para que os brasileiros se apossassem do Brasil; infelizmente, as rodovias daquela época continuam as mesmas e hoje, para o tamanho da população e da economia, não passam de carreadores malconservados. À época, a cidade monumento tinha algo de monumental; hoje, é minúscula diante da grandeza do Brasil.
Para instalar a capital no planalto central foi necessário pensar na cidade; para isso, se abriu concurso em 1956 destinado a colher projetos para o plano piloto da nova capital; o de Lúcio Costa foi vitorioso; simples, lembra o gesto de marcar um lugar para tomar posse, riscando dois traços cruzados no chão. Os espaços urbanos foram setorizados, os cruzamentos viários, evitados. Tudo parecia ter o ar de modernidade que embalava o Brasil ao som da bossa nova.
Em 1960, os paranaenses já tinham experiência de vida em cidades planejadas: Londrina, Maringá, Cascavel, Toledo, Umuarama, Paranavaí foram rasgadas na floresta antes da chegada dos habitantes. Brasília tem o Palácio da Alvorada com pilares que flutuam sobre o espelho dágua, a beleza do Palácio da Justiça e do Planalto; as cúpulas do Congresso Nacional e as amplitudes do planalto sem fim, encimando o divisor de águas dos grandes rios que dali fluem para o sul e o norte. A mítica da cidade se consolidou com o título de Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, atribuído em 1987. Contudo, no essencial são a mesma coisa: a urbe pronta compeliu as pessoas a se adaptarem a ela.
A ideia se tornou fato e o Brasil fez de Brasília o seu retrato. O tempo é o senhor da razão. Então, na próxima semana, um dedinho de prosa sobre os fatos da cidade que fará cinquenta anos em 21 de abril de 2010.
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