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Por ocasião do cinquentenário de Brasília me ocorreu lançar olhar mais longo sobre a comemoração para posicioná-la na brasilidade. Assim, pretendo, se a tanto não me faltar engenho e arte, desenvolver três perspectivas do tema: sonho, ideia, fato. Na primeira parte a intenção é, sem compromisso acadêmico com o detalhamento histórico, ver a consolidação do território gigante que foi ocupado, escassamente, na franja litorânea e o sertão vazio por quase duzentos anos.

A ocupação das terras imensas a oeste da volta do mar não era a preocupação central da Coroa portuguesa; as viagens para o leste eram mais rentáveis porque na Índia, China, Japão, Ceilão, havia especiarias que ti­­nham largo mercado na Europa. Essa opção aparece no Tratado de Tordesilhas que entregava a navegação e ocupação do poente aos espanhóis. Esfericamente, se um navega para lá e outro para cá, haverá momento de se verem frente a frente; lusitanos e castelhanos digladiaram pela posse das terras onde hoje estão a Indonésia e as Filipinas. A luta feroz pela hegemonia no comércio de cravo-da-índia, cominho, gengibre, açafrão, curry parece coisa de hospício aos olhos atuais, mas à época fazia muito sentido porque as especiarias davam algum prazer à horrorosa culinária europeia e conservavam os alimentos. Em suma, controlar a oferta era posição de poder.

Quando as rotas e as técnicas de navegação comercial se tornaram conhecidas, vários povos passaram a buscar os temperos no oriente e o preço despencou na Europa; nesse momento Portugal passa a dar atenção às terras no oeste e organiza o primeiro governo geral, edificando a cidade de Salvador, sede administrativa da ocupação do território. A descoberta do ouro preto no Pico do Itacolomi, em 1693, deslocou o eixo de ocupação pa­­ra o sul e a administração colonial foi levada, em 1763, para a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde ficou até 1960. A riqueza brotou do interior, mas a colônia vivia pensa, com o peso político centrado nas cidades que davam passagem para a metrópole. O Império e a Re­­pú­­blica não alteraram esse distanciamento em relação aos brasileiros do interior.

Nesse contexto, alguns sonharam com uma cidade no meio do continente que funcionasse como ponto de agregação da nacionalidade e estivesse equidistante para todos os brasileiros. Os inconfidentes propuseram a sede da República em São João Del Rey; Hipólito José da Costa, escrevendo no Correio Bra­­ziliense fez campanha no co­­meço do século 19 para que a capital fosse instalada no interior, na cabeceira dos grandes rios; na As­­sembleia Constituinte do Império, José Bonifácio propôs que a capital fosse instalada no planalto central, na latitude 15.º, com o nome de Brasília ou Petrópolis; a Cons­­tituição da República em 1891, logo no art. 3.º, dizia pertencer à União, no planalto central da Re­­pública, uma área que seria opor­­tunamente demarcada para nela se estabelecer a capital federal.

O sonho de integrar os brasileiros foi objeto de vários trabalhos geográficos de campo no final dos anos 1.800 e início do século 20 que eram logo esquecidos; a zona de conforto criada em torno das cidades litorâneas e, especialmente, do Rio de Ja­­neiro, então um lugar aprazível, provocou letargia rompida apenas pelo ímpeto de um sertanejo: Juscelino Kubis­­tchek. Natural de Diaman­­tina, norte de Minas, Juscelino tinha a percepção de que o Brasil não se encontrava no Rio e, de estalo surgido numa provocação que lhe foi dirigida durante um comício em Goiás, prometeu realizar o sonho acalentado havia quase 200 anos.

Tomada a decisão, acaba a fase onírica e começam a surgir as ideias sobre como deve ser a nova cidade. Esse é o tema da semana vindoura.

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