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A face plastificada de Berlusconi apareceu em duas notícias interessantes nos últimos dias: como promotor de uma festa em sua casa de praia na qual reuniu mulheres jovens e homens velhos para brincarem de médico. As fotos, publicadas pelo jornal espanhol El País, rolaram pela internet, mostrando partes pudicas das pessoas, dentre elas um velhote numa pose de Príapo. A indústria farmacêutica certamente agradeceu pela propaganda indireta. Passados alguns dias, se noticiou que o Peter Pan latino fez estrondosa votação ao concorrer para o Parlamento Europeu, superando a eleição anterior. Foram mais de 2 milhões de votos. Um político sênior, quase na senectude, tem na vida particular comportamento errático de adolescente desmiolado e age de igual modo na vida pública, sem perder o apoio de parcela significativa do eleitorado. Não se pode dizer que tantas pessoas aprovam integralmente as estultices à Mussolini praticadas pelo premier. Há explicação para esse aparente paradoxo?

Vista de longe o caso mostra tons cômicos de ópera bufa, como se fosse paródia e não acontecimento verídico. Essa comédia trágica ocorre na Itália e em qualquer lugar, inclusive aqui. Papas, imperadores, reis e rainhas devassos são uma constante na história. Nas repúblicas se imaginava uma vida mais puritana dos dirigentes, submetidos à constante vigilância e apreciação dos cidadãos. Robespierre levou esse asceticismo republicano ao extremo e, ao fim, perdeu a cabeça. Carlos Menem, John Kennedy, Juscelino Kubitschek, tiveram vida pessoal atribulada, quando não, escandalosa. Fernando Lugo, ainda sob o peso do hábito de bispo católico, participou ativamente da expansão demográfica do Paraguai.

A diferença moderna é a divulgação das peripécias em tempo real, com imagens e não meras narrativas ao estilo de lendas. Das folias de Calígula, feitas sem pejo da imoralidade, restaram lembranças que levam a associar o nome à devassidão. Porém Calígula não precisava de eleitores para continuar no poder, a sua conduta privada não era exposta na primeira página dos jornais, na tevê, na mídia eletrônica e só o círculo interno do governo conhecia os bacanais. Calígula teve vida breve. Fez a má-fama porque se deitou na cama. Berlusconi, com vida longa, não tem o comedimento que se espera de um vovô e nem a elegante autocontenção que se augura exista numa pessoa pública. Ao contrário, o atrevimento e o mau-caratismo são exibidos como sinais de uma personalidade forte, incomum. O curioso, é que do ponto de vista puramente eleitoral, essa postura tem resultado positivo.

Existe uma comparação entre a vida privada e pública de dois políticos que expressa a distinção entre a moral num campo e outro: se pede ao eleitor que escolha entre um homem que vive na jogatina, bebendo, fumando, se valendo da prostituição e outro que é vegetariano, casto, religioso. A escolha tende a recair sobre o segundo e aí se diz que são as características de Hitler; o de vida torta é Churchill. A moral privada e a pública não devem ser confundidas, da mesma maneira que os bens privados e públicos devem ser usados de acordo com sua natureza. Todavia, será que não existe nenhuma contaminação entre uma vida pessoal desregrada e o exercício de funções públicas? Ser houver, quanto de indecorosidade provoca essa ligação entre as duas esferas morais?

Kubitschek, Kennedy, Vargas, deixaram memória das obras físicas, políticas, do carisma pessoal e vagas lembranças de aspectos sinuosos da vida privada. Contudo, até onde se sabe, nenhum deles organizou festins à beira da piscina. Parece que exageros do quilate dos praticados pelo novo Calígula de Roma excedem a esfera da privacidade, desbordam para a vida pública e devem ser expostos para que os cidadãos possam fazer o julgamento eleitoral. Se suficientemente informados votam em Berlusconi e quejandos, têm o governo que merecem.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

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