Os amigos parecem diferentes, alguma coisa mudou; um após outro me causam a sensação de que a imagem presente e a registrada na memória não se ajustam. Olho, reolho, penso e o óbvio salta: cãs. Entremeadas à cor natural do cabelo, mas estão lá, como geada fraca na boca do inverno. Somos senescentes. As faces pouco revelam do tempo, porém cãs não mentem.
O assunto fica ziguezagueando na mente, trombando nas paredes da memória, até encontrar a imagem da avó Tereza, a quem eu chamava de mutter, passando uma gosma no cabelo para esconder os fios brancos. O frasco com desenho do perfil de duas pessoas, o pente, o cheiro esquisito, a sessão de aplicação e os cabelos ficavam escuros, escorridos. A minha juventude não me permitia entender a ocultação das cãs como rejuvenescimento. Avó, por definição, é velha para os netos. Sim, juventude e velhice são relativos absolutos.
Como assim? O relativo se define pela comparação e o absoluto, conceito oposto, é aquilo que não depende do entorno para ser o que é. Explico. O pediatra e o geriatra trabalham com o absoluto; a criança e o velho vivem a si próprios de modo relativo. Então, o oxímoro da relatividade absoluta é licença poética para dizer que o tempo e o vento trazem marcas e oportunidades: o engilhamento das mãos é só aumento do passado e diminuição do futuro, não velhice para quem a vive com moderação.
Falar disso para quê? Melhor pensar nas cãs com a impressão de que a Mutter estava certa e ir à cata de colorante que as enegreça. Agora não é a cabeleira dos amigos que prende o olhar; é com o espelho que falo e ao fitá-lo me recordo de ter visto, no ônibus, uma senhora se mirando num espelhinho de maquiagem e arrancando os fios brancos. Alguns resistiam e ficavam contorcidos, mais salientes do que antes. Ela resmungava alguma inconformidade com a natureza e puxava fio por fio. Só de ver fiquei dolorido. Não, não me sinto tão inconformado a ponto de me flagelar. Há apenas a surpresa da certeza do tempo que o exterior impõe ao interior.
A mente curiosa, quase infantil, observa a multidão e há muitas cabeças esbranquiçadas. Será que antes havia e a minha juventude não as via? Penso que não. As estatísticas dizem o mesmo que os olhos: estamos envelhecendo. Aí passa um grisalho magricelo correndo na manhã gelada. A trânsito parado, vidros embaçados, e ele faceiro como se tivesse toda energia do mundo, segue correndo no cantinho da rua, junto à guia. Vai mais rápido que os carros e logo some. Essa é a velhice do meu tempo! Velhice que não é velha, arriada, desmanchada.
É, mas o lado B dessa história é morrer em plena alegria. Enfartos fulminantes dizimam grisalhos saidinhos, assanhados, quimicamente rejuvenescidos. No afã de viver vão além da tintura das cãs e não suportam as prorrogações de juventude, sucumbindo como heróis da resistência ao tempo. Alvo de chacota, deveriam ser tratados como desbravadores de terrenos inexplorados, sobre os quais os pré-seniores de hoje passarão sem temer o tombo fatal. Longevos, não se apoquentarão com alguns fios brancos.
Divagações canhestras? Talvez. Mas que uns fiozinhos brancos fazem a gente pensar, ah, fazem.
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