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Por favor chuva ruim, não molhe mais o meu amor assim. Quando a genialidade de Jorge Ben, hoje Jorge Ben Jor, compôs esse verso bastava fazer uma prece pra Deus, nosso senhor, pra chuva parar de molhar o divino amor. Quase dois meses consecutivos de torrentes de água inviabilizando a cidade de São Paulo, assustando Tomazina, fazem a leveza da poesia parecer ingênua, fora do tempo e do mundo. O clima está mudando e haverá águas até março fechando o verão?

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O noticiário está repleto de informações sobre índices pluviométricos, informações sobre ventos, anticiclone, massas polares. Do ponto de vista puramente analítico dos fatos, em 1947 choveu mais na cidade de São Paulo do que no período que se está a viver. Em Tomazina, onde há registro apenas na memória dos velhos, se fala da enchente de 1950 como a mais impressionante, com a água do Rio Cinzas passando sobre a antiga ponte de madeira que liga as duas partes da cidade. Em 1983, no inverno, o Rio Iguaçu virou mar no Bo­­queirão, no Uberaba e o local on­­de hoje é a Vila Audi ficou to­­tal­­mente inundado. Os rios que nascem no norte da cidade e correm para a calha do Iguaçu, ficaram represados e os ribeirinhos foram abrigados, aos milhares, nas escolas. Foi muito difícil alimentar, agasalhar, restaurar moradias. A água cobriu União da Vitória e só a casa do Coronel Amazonas Marcondes foi poupada, confirmando a profecia do beato João Maria. Como se vê, houve muitas cheias catastróficas antes, e os dados numéricos jazem nos arquivos.

Em 1983, ao ver a estação da Sanepar no Rio Iguaçu, junto à BR-277, completamente tomada pela água, tive a sensação de vi­­venciar parte de um ciclo de períodos chuvosos e estiagens como sempre ocorre na natureza. Nas enchentes de antigamente havia tristeza pelas vítimas, mobilizavam-se doações, políticos visitavam vilas e faziam promessas de obras definitivas. No mês seguinte, populistas desatinados estimulavam a construção de milhares de casebres na várzea de rios e as cidades grandes se agigantaram. Na enchente seguinte, toda a pantomima se repetia. Ainda assim, se viam esses acontecimentos como parte inevitável da nossa submissão à natureza e a ausência de política urbana responsável como sequela incurável do nosso pensamento terceiromundista. A chuva? Bem, a chu­­va servia para estimular emo­­ções poéticas que faziam rolar lágrimas no escuro.

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A sensação das pessoas hoje é diferente. O sentimento causado pela imagem da espessa camada de barro nas ruas de Sengés nos eventos recentes é de fim de mundo. A hipótese do câmbio climático causado pela poluição está infundindo pânico. Cada época se angustia com um apocalipse que, se imagina, ocorrerá dessa ou daquela forma, tendo sempre por referência o conhecimento científico existente na ocasião. De certo modo, cada épo­­ca tem seu bicho-papão, seu boi-da-cara-preta. O aquecimento global entrará para os anuários como mais um dos temores datados ou alguns sobreviventes caminharão sobre a lama do armagedon pluvioso? Em 1986 e 2006 houve seca que deixou nus os paredões das cataratas em Foz do Iguaçu. O fim dos tempos talvez seja poeirento.

De verdade, as inundações mostram que não somos senhores da natureza. Temos conhecimento pequeno e ignorância infinita sobre as coisas que nos cercam. O pouco que se sabe per­­mite fazer um prognóstico triste: quando houver outro período chuvoso como o de 1983, o drama que vemos em São Paulo pela televisão ocorrerá no nosso quintal.