| Foto: Arte: Felipe Lima

A difícil conjuntura está exaltando ânimos e debates. A repulsa aos políticos galgou novos patamares e “soluções” pretensamente não políticas começam a aparecer no cenário. Tolice imaginar que a organização da convivência social possa ser feita de modo apolítico. Na polis, a convivência é política e todo mundo é político, inclusive os que se omitem, porque a omissão de uns é delegação de autoridade a outros para falar e agir em nome dos parados. Calar é consentir.

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Na algaravia de dissonâncias, a nota mais frequente é a busca por pessoas honestas para governar. Pelo que se sabe, desde o início dos tempos existe essa caça frustrada. Não há consenso sobre o conceito de honestidade e, ante as decisões difíceis que a vida pública exige, a atitude honesta no particular pode ser funesta no geral ou vice-versa. Os exemplos abundam: Hitler era asceta na vida pessoal; Churchill, quase devasso. Quem está no inferno?

É saudável para a democracia que 80% dos parlamentares apoiem o governo?

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A Gazeta do Povo publicou, quinta-feira passada, a quantidade de partidos que compuseram a base de apoio do presidente da República no parlamento a partir de Sarney, e o crescimento do número é espantoso: Collor tinha cinco partidos políticos na coalizão; FHC, seis; Lula, dez; e Dilma, onze. Quanto mais longe de 1988, maior a coalizão no Congresso Nacional. Por quê?

JK tinha apoio do PSD e do PTB, enfrentando oposição de vários partidos. O governo contava com pouco mais de 50% dos parlamentares e sofria fustigação diuturna dos oposicionistas. Assim funcionam as democracias de verdade. O governo é pequeno e a oposição, grande.

Nos anos 60 vigorava a máxima se hay gobierno, soy contra. Será que o adesismo atual (se hay gobierno, soy a favor) resulta de mudança de mentalidade das pessoas ou das circunstâncias criadas pela Constituição de 1988? Por que ficamos parecidos com as ditaduras castro-chavistas se o nosso desejo era nos assemelharmos às democracias europeias? Os políticos regrediram ou o corpo político/jurídico constituído em 88 padece de doença congênita, propícia à degeneração da democracia?

É saudável para a democracia que 80% dos parlamentares apoiem o governo? É da sabedoria popular que duas cabeças pensam melhor que uma. A dialética – isto é, a contínua colisão de ideias – facilita o surgimento de decisões de melhor qualidade e, sobretudo, o debate público possibilita o acompanhamento da rotina de governo para julgamento eleitoral dos erros e acertos. Sem oposição vigorosa, o governante faz o que lhe der na veneta, sem o constrangimento de dar explicações a parlamentares que pensam de modo diferente.

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A aglutinação de tantos políticos ruins ao mesmo tempo, sem o contrabalanço de gente da estirpe de Ulysses Guimarães, é causada pela amplitude normativa da Constituição. Analítica, estabeleceu normas para tudo e todos, engessando o futuro. Quanto mais longe de 88, pior ficará. Para reformá-la é preciso maioria de pelo menos 70% do parlamento. Para atingir esse número, quem está no governo compra, com favores ou dinheiro, os apoios. Ser parlamentar se tornou grande negócio e as despesas eleitorais explodiram.

Se a Constituição fosse enxuta, quem está no governo não precisaria comprar os parlamentares, extinguindo a oposição e destruindo a democracia.