Faz alguns dias, passou a vigorar no estado de São Paulo uma lei que torna obrigatória a venda de banana in natura a quilo. A reação da população, registrada pela imprensa, foi de indignação porque há o costume centenário de negociar banana por dúzia. Comerciantes disseram que continuarão a vender do jeito usual, sem atenção ao imperativo legal. A multa, prevista na lei, pode ser de mais de R$ 200 mil. O cenário que se desenha em São Paulo dificilmente desembocará numa revolta dos quebra-quilo, mas que é interessante ainda encontrar reação diante do sistema métrico decimal, isso é.

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Os pesos e medidas sempre fizeram parte das relações humanas. Medem-se as trocas de bens e serviços para saber se são justas. Entre pessoas que partilham a mesma ambiência cultural, mensurar é simples, visto que ambas usam referências idênticas. Quando não há o compartilhamento das referências de peso, comprimento, tempo, as trocas são inviabilizadas porque as pessoas não conseguem aferir a justeza. Fácil perceber a irracionalidade dos métodos costumeiros que levam em conta partes do corpo como pés, polegares, braças, ou exoticidades como nós numa corda para medir a velocidade de navio, ou a minúscula fruta de uma árvore, o quilate, para aferir peso de pedras preciosas; evidente a racionalidade de um sistema de medição cujas referências sejam universais.

O sistema francês, adotado pela Revolução, tinha como referência a medida de comprimento baseada no arco de um minuto de longitude da circunferência da Terra. A sua imposição estava assentada na intenção de superar as dificuldades que os sistemas costumeiros causavam para a atividade econômica e a políticas públicas. Havia também o desiderato de aplainar a diversidade cultural, com a aculturação das comunidades ao projeto dos revolucionários, suplantando os mitos e modos irracionais de viver. O sistema métrico decimal era uma das facetas do Iluminismo, definido por Kant como o ingresso da humanidade na vida adulta, com o advento da racionalidade na política, ciência, língua, economia. A mensuração decimal se espalhou pela Europa, exceto a Inglaterra que manteve o Sistema Imperial de Medidas. No Brasil, a Lei 1157/1862 o tornou obrigatório na parte concernente às medidas lineares, de superfície, capacidade e peso.

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A resistência dos brasileiros do século 19 à proibição do uso das medidas costumeiras resultou na revolta do quebra-quilo, com o povo indo à rua para destruir as medidas baseadas no sistema francês. Nessa iconoclastia, saudavam as cuias, côvados, onças, léguas, afirmando a diversidade contra a unidade, o local pugilando com o universal.

Alguns décadas depois do quebra-quilo, a uniformização do horário por fusos veio com a Lei 2784 de 1913. Até essa ocasião cada cidade tinha o seu próprio horário e, apesar das resistências, adotou-se a hora oficial de cada fuso. Porém, ainda hoje quando chega o horário de verão, aparecem resistências com a mesma nota de apego ao tradicional. Na verdade, o tempo padronizado em fusos é relativamente recente, mas as pessoas que estão acomodadas, para justificar a oposição à mudança, argumentam com a tradicionalidade. A economia de energia elétrica é algo tão nítido que dispensa defesa, contudo o hábito é mais poderoso que a lógica.

A racionalidade imanente aos indivíduos era o pressuposto do Iluminismo e de todas as suas derivações, inclusive o socialismo. Quando os paulistas brigam para continuar contando bananas, se vê que somos muito mais sofisticados do que supõem as filosofias.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito na UTP.