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As filas do balcão e do caixa da padaria chegam a se misturar de tão longas; a sonolência do calor, noite mal dormida por causa do samba na casa vizinha, boca seca e cabeça dolorida da ressaca. Pouco dinheiro no bolso, os pagamentos com cartão demorando por causa do congestionamento das linhas e você está lá festejando o ano novo. A fila não anda, o ventilador no teto gira devagar e você vai ficando letárgico, até mal e mal escutar a agitação em volta. De repente alguém te diz pra dar um passo à frente porque a fila andou. Ai que alegria, vou me divertir assim no carnaval, daqui a uns 50 dias.

Saco de pão debaixo do braço, saquinho furado de leite na mão (era o último na geladeira do mercado) e você vai caminhando descalço pela areia quente, saltitando feito pipoca. Chega ao sobradinho alugado e se deita na rede cheirando mofo. Dorme sono ruim, daqueles de insolação. Acorda com a patroa te mandando tomar banho ligeiro porque a água está racionada. Você já passou por isso outras vezes e prometeu nunca mais entrar nesses atropelos, mas os parentes vieram do interior, a sogra disse que era preciso respeitar a tradição, as férias das crianças ficaram mais curtas. Quando você tentou argumentar, te disseram que isso era coisa de gente xarope que não gosta da companhia dos outros. Crítica à pessoa, não à ideia, mas você cedeu pra ficar de bem com a família e está disposto a se alegrar na hora dos fogos, mesmo que chova torrencialmente e aqueles vinte reais de rojões se percam numa poça d’água. Nem tua mãe te socorre; ela está hospedada no sobrado da esquina e te disse que precisa subir no dia primeiro à tarde, bem na hora do trânsito mais complicado.

As convenções sociais te empurraram para essa fria, mas não limitam a liberdade de pensamento e você começa a pensar mal de quem escolheu as datas festivas. Pensa mais e questiona por que há apenas uma semana entre Natal e ano-novo. Por que o ano termina em dezembro e não em julho, maio, agosto? O calendário da civilização ocidental é referenciado pelo sol; então os equinócios poderiam ser divisores dos ciclos anuais. Sorrindo discretamente para que as outras pessoas na mesa de carteado não percebam, você imagina como seria se o ano-novo fosse comemorado na terceira semana de março, início da primavera boreal. Sim, afinal de contas o nosso mundo começou no Hemisfério Norte e o fim do inverno lá era comemorado com festas rituais. Rindo por dentro você imagina o réveillon no outono austral de Curitiba, sem a obrigação de enfrentar mosquitos na praia.

O Natal. Bem, a data de nascimento de Cristo é incógnita. Então foi necessário escolher algum dia para fazer a festa de aniversário. Há uns 1.600 anos definiram a data e não vai ser você que a modificará. Mas o ano novo juntinho, tem dó! Você fica imaginando jeito de propor festa de ano novo em data exclusiva para a família. O trabalho, a escola, pagamento de contas e impostos, tudo pelo calendário convencional. O réveillon seria pessoal, só para os íntimos. Tua tia, parceira do baralho, reclama da desatenção, você volta à realidade e combina com o cunhado os detalhes do churrasco na praia em primeiro de janeiro de 2013.

Ah, não te esqueça de pular sete ondas.

* Excepcionalmente publicado nesta edição de fim de semana.

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