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90 milhões em ação, ops, 180 milhões em ação, salve a seleção! Enquanto o escrete canarinho se esfalfava para vencer a Coreia e empatar chochamente com Portugal, multidões se aglomeravam nas praças à espera das câmeras de tevê para se animar quando se sentiam em foco. Os quinze mi­­nutos de fama de Andy Warhol se tornaram dez segundos de exposição televisiva e alegria sob encomenda. Pensei comigo, no jogo contra o Chile haverá motivo para alguma emoção e, quem sabe, pipoca com guaraná. O jogo começa, correria pra cá, desabalada carreira pra lá; os olhos se fecham para piscar e se abrem com o susto dos estampidos dos rojões. A cachorra em pânico vem se aninhar aos meus pés e mais um pouquinho outro gol. Penso no verso que diz "todos juntos vamos, pra frente Brasil", olho para a Laika enroscada nas minhas pernas; é... todos juntos.Os pés aquecidos pelo cobertor de orelha canino, as prosas soporíferas sobre as estatísticas do futebol e, de repente, os rojões me acordam para vibrar pelo terceiro gol. Oba, se foi assim no primeiro tempo, será uma goleada! O cérebro volta a funcionar e percebo que o segundo tempo já está pela metade. Uau, todos ligados na mesma emoção, num só coração e eu desligado, babando no sofá. Para não sentir re­­morso, resolvo trabalhar e ver o jogo ao mesmo tempo. Computador aber­­to, textos para ler, produzir, decisões a tomar. Vai, vai, de repente vejo no televisor o cabelo ralo e espetado do Dunga e percebo que ele usa verbos no passado próximo para se referir à partida. O jogo já era e eu não vibrei. Fico examinando os botões da camisa do técnico que parece uniforme dos Sulistas na guerra da secessão nos Estados Unidos. Vem à memória uma camisa esquisita, com estampas tribais, que não me pareceu de bom gosto. Acho que no brechó do Dunga não farei compras.

Término do trabalho, ainda resta alguma coisa do dia cuja rotina foi alterada para fazer a corrente pra frente; hora de ir ao mercado. Carros passam buzinando, com pessoas sentadas na janela e eu preocupado com pão, nata, schmier para a refeição noturna. Na padaria encontro schwarzbrot e me lembro da seleção da Alemanha que ga­­nhou de alguém, parece que foi da In­­glaterra, e no televisor apareciam pessoas fantasiadas de tiroleses dançando aos pulinhos. Na hora percebi que aqueles alemães de araque eram de Blu­­menau. Dito e feito, a alegria era brasileiríssima!

Volto para casa com uma baguette debaixo do braço para fazer pose de francês de maus bofes tal qual o treinador carrancudo que se recusou a cumprimentar o Carlos Alberto Parreira, brasileiro que treina a Bafana Bafana. Só de pensar na azia dos franceses com a zanga entre sua comitiva na Copa, sorrio pensando que l’enfer c’est lês autres. Em 2006 o Zidane perdeu a cabeça no peito do Materazzi; o time de 2010 ficou de cabeça quente e, embora tenham saído cedo, não foi à francesa.

Tempos bons esses de Brasil no gramado: chegar mais cedo em casa, reunir a família, perceber que o sifão da pia da cozinha está mesmo entupido e a patroa diz que a solução não pode passar de hoje. Bacias, panos sujos, desatarraxa, atarraxa até parar de vazar. Tudo resolvido na maior alegria, afinal o coração é verde e amarelo. Noite chegando e na hora de pegar o carregador da bateria do telefone, aquela gaveta com chave que foi trancada no sábado, quando a casa fi­­cou sozinha, resolve emperrar. Puxa aqui, empurra ali e nada. Ligo para o chaveiro e uma mu­­lher informa que ele bebeu muito para esquecer a derrota e só trabalhará amanhã. Pelo desalento na voz feminina, não haverá diversão à noite. Ocaso alaranjado para lembrar a Holanda, o dia estava completo.

Lazer bissexto, a Copa refresca a rotina e ensina a apreciar o prazer que os adversários sentem quando são vitoriosos. É o jogo.

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