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O encontro casual no elevador, uns se esforçando para não cruzar o olhar matinal maldormido com os outros e esses ou­­tros loucos para puxar prosa; logo vem o tema mais universal, o tempo; fez calorão na Ucrânia e frio de matar em Cuiabá, veja só, tudo está uma loucura, não sei onde vamos parar. Não encerrando por aí, vem pequena observação negativa sobre o governo – esse governo não tem jeito mesmo, né? Fico sem saber qual governo e cheio de dúvida sobre a relação entre clima e governo. Sei que alguns governantes acreditam piamente na sua condição divina, mas ne­­nhum se arrisca – talvez Hugo Chávez faça isso – a dar ordens às nuvens e, diante da desobediência, dizer que a culpa é dos Estados Unidos. O colóquio de quatro andares termina com sorriso afável e desejo de bom dia. Será que estou em Curitiba? O sotaque do baixinho falante é nativo, mas acho que ele se es­­queceu de que curitibano da gema é mais calado que girafa.

É interessante a necessidade de falar; parece que o silêncio deixa o ambiente pesado, como se as pessoas fossem entrar em luta feroz disputando um naco de carne. Além disso, a quietude permite que se ouçam os sons da animalidade que sempre aparecem na hora errada. O borborigmo trovejante é audível por todos que estão no elevador. O disfarce social para esses constrangimentos é a fala, a nota distintiva dos humanos em relação a outros animais. Porém não há conteúdo para falar tanto; por isso, as conversas banais destinadas meramente à sociabilidade, sem nenhuma comunicação de necessidades ou de conhecimentos relevantes.

A passagem pelo corredor é feita no piloto automático e a percepção do mundo externo reacende diante dos objetos da sala chamando a atenção para o dia que começa. O jornal sobre a mesa tem charme irresistível, embora não afrodisíaco porque não é da seara da Afrodite a excitação pela informação. Nulla dies sine linea, passa como meteoro pela abóbada do córtex e se queima na noite cerebral iluminada pelo brilho neuronal. Os olhos começam as percorrer as linhas, súbito, notícia de afogamento na Rússia porque os branquelos foram com muito calor à água e, noutro extremo, a morte por hipotermia de um mendigo na rodoviária de Cuiabá. Será que o Antonio Conselheiro tinha ra­­zão, o mar vai virar sertão e Cuiabá, Bariloche? A ideia absurda, quase maluca, me faz rir sozinho e fico imaginando estações de esqui na Chapada dos Gui­­marães. Quanta bobagem pensada num início de dia apenas porque um sujeito boa-praça quis ser simpático no elevador e ficou falando do tempo.

Essa proseada sobre frio e ca­­lor me lembrou da neve de 1975. Os quarentões que têm memória pessoal daquele inverno ficam contando mundo afora que em Curitiba neva. Existe um componente de negação da nossa tropicalidade, sempre associada ao Terceiro Mundo. A neve seria passaporte para o desenvolvimento, para nos diferençarmos desse país calorento que faz as pessoas se comportarem de mo­­do indolente, espantando mosquitos enquanto curtem a preguiça espichadas em redes. Todo ano contamos a nossos filhos a história da neve e rezamos para que haja garoa e muito frio para o céu nos abençoar com os flocos da redenção. Ora, metade da Argentina é gelada como a Suíça, mas continua sendo Argentina. As explicações para atraso e desenvolvimento apresentadas por Jared Diamond com base nas condições climáticas são relevantes, porém os trópicos não fadam ao fracasso.

Fim da jornada; cogito curitibanamente em descer pelas escadas para escapar de alguém que queira conversar no elevador; desisto quando a porta se abre e a cabine está vazia. A música am­­biente é deliciosa e providencial: moro num país tropical, tenho um Fusca e um violão, tenho uma nega chamada Tereza, mas que beleza. Salve Jorge! Tomara que neve, em Bariloche.

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