Quando Gabeira usou uma tanga lilás os tempos eram mais inocentes e o frisson teve uma conotação alegre, irreverente. As esquerdas enfadonhas como Marx, militarizadas como Stalin, puritanas como Mao, viram um dos seus ícones de inteligência e virilidade guerreira praticamente nu nas areias de Ipanema. Estupefactas, perguntaram: o que é isso, companheiro? A resposta foi a afirmação de que a ação política nos moldes machistas estava no ocaso, no crepúsculo do macho.

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Para os grupos políticos de matiz marxista aquela tanga era tão demolidora quanto uma desmunhecada de Che Guevara. Para o público comum, a escassez de roupa do ex-guerrilheiro era só uma traquinagem nas areias onde se exibiam beldades trajando fio-dental, asa delta, e outras formas minúsculas de biquínis. Na passarela que lançou a Garota de Ipanema para o mundo, Apolos e Afrodites esperavam pelo olhar poético de Tom e Vinícius.

Para não se ver compelida a fazer uma revisão das suas crenças políticas, a esquerda conservadora desqualificava esses atos libertários dizendo que os antigos militantes haviam desbundado, enlouquecido. Negava-se a natureza política desses atos porque eles mostravam que era possível fazer política de modo mais leve, reduzindo a tensão ideológica e apostando na diversidade do pensamento, tal qual a diversidade das opções emocionais, afetivas, sexuais, comportamentais.

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Quase trinta anos se passaram e a predição de que a nudez se tornaria a regra não se confirmou. O tamanho dos trajes de praia aumentou e diminuiu ao sabor dos modismos e da indústria. Porém os rumos da política no mundo desnudaram mitos, a exemplo da queda do Muro de Berlim que pôs a nu a tirania que grassava na Alemanha Oriental; a licensiosidade dionisíaca de Henver Hoxha na Albânia; a insustentável leveza econômica de Cuba.

Gabeira envelheceu, nós envelhecemos. A toalha enrolada no corpo, cobrindo do peito às coxas, o deixou parecido com um vovô escondendo as proeminências abdominais. A tanga e a toalha são dois momentos do jornalista que produziu mais fatos do que narrou e que simboliza a nossa transição entre os arroubos juvenis e o comedimento da senectude. Da violência como meio de ação política até o momento no qual o dedo indicador em riste, apontado para Severino Cavalcanti, então presidente da Câmara dos Deputados, estabeleceu um divisor entre o populismo chicaneiro e a ação política pautada pela responsabilidade ética. O dedo indicador desnudou o corrupto que todos viam, mas careciam de independência política para apontar. Mão e palavras mostraram-se mais poderosas do que um fuzil e seus estampidos.

Talvez nessa trajetória errática de uma pessoa peculiar como Gabeira se possa ver um fio de amadurecimento da política brasileira. A inumação definitiva da luta armada como modo de ação política; a separação entre as coisas de interesse público e o espaço de ação, diversão e liberdade particular; a valorização da conduta proba em meio à sensação de que mensalões e mensalinhos haviam deixado de ser condutas tortas.

Sem Quixote, a tediosa vida de Sancho Pança seria de uma mediocridade insuportável. Desprovidas de ódio, as lutas contra os males do mundo são brisa que refresca o calor da realidade e dão a sensação de que o sonho não acaba.