Ao pensar a respeito da recente decisão do governo brasileiro de conceder asilo político ao italiano Césare Batistti, surgem três perguntas: a Itália era uma democracia ou uma tirania quando Batistti e os demais militantes do grupo Proletários Armados para o Comunismo (PAC) mataram pessoas com a intenção de derrubar o governo? A condenação ao ergástulo se deu conforme as regras da democracia ou houve a pantomima dos julgamentos ditatoriais? A decisão da Corte Européia dos Direitos Humanos, que reconheceu que o processo penal na Itália observou todas as garantias fundamentais do réu, é justa?
Qualquer Estado tem o poder de dizer a quem concede ou nega proteção. É uma decisão que se dá na estratosfera estatal onde o ar jurídico é rarefeito e o político, denso. Soberano é quem decide e sustenta a decisão na situação de exceção, de vácuo normativo. O Brasil tem autonomia para dar abrigo a Batistti, e o presidente da República - chefe do Estado - personifica o poder de afirmá-la no cenário internacional. Porém, todas as decisões geram consequências; naquelas tomadas em conformidade com as normas consolidadas, a responsabilidade pelo resultado é do legislador. Por outro lado, quem toma decisão contra as normas ou no vazio normativo, deve estar pronto para assumir o custo político e institucional.
O favor concedido a Batistti abriu espaço para legitimar a luta armada contra a democracia brasileira. Esse é um ônus que não pode pesar sobre o povo; deve incidir exclusivamente sobre os ocasionais agentes de governo que decidiram de modo idiossincrático, tendo em conta apenas preferências pessoais e paixões pela mítica da luta armada. Qualquer seja o cariz ideológico de quem pega em armas para destruir a democracia, pratica crime lesa-república. Sejam proletários armados ao comunismo ou burgueses armados ao capitalismo, a violência como meio de ação política é expressamente criminalizada no artigo 5.o, inciso XLIV, da Constituição Federal. Os brasileiros não devem tomar essa deferência ao italiano como um afrouxamento do valor supremo da democracia, com os seus componentes de voto universal, periódico, secreto, para todos os cargos públicos.
Indo às indagações da testilha com a brevidade imperiosa do tempo e espaço jornalístico, que se destina mais ao fomento do debate que à construção de respostas agudas e definitivas, tal qual um estudo científico, pode-se afirmar que a Itália é uma democracia firme desde o fim da II Guerra. A Constituição de 1948 permanece íntegra e não houve ruptura da periodiocidade eleitoral, do direito universal de voto e da participação política de todo o espectro ideológico, inclusive de fascistas que tomaram banho de loja para não parecerem tão toscos e burlescos quanto Mussolini. Portanto, na década de 70 a Itália era uma democracia que foi atacada com armas. À segunda indagação, a resposta é positiva, pois nos vários processos que respondeu na Itália, Batistti fruiu do devido processo legal e pôde se defender amplamente. Diga-se, estava cumprindo pena por outros crimes que não homicídio quando se evadiu da cadeia. A condenação à revelia é possível no Brasil sem que nos acusem de tirania. Por fim, em 2005, quando Batistti recorreu à Corte Européia dos Direitos Humanos contra a decisão da França de extraditá-lo para a Itália, a Corte disse que ele não tinha razão, entendendo que ele conhecia o processo e havia renunciado de uma maneira inequívoca a seu direito de comparecer e ser julgado pessoalmente. A decisão do Tribunal Europeu foi justa ao ratificar o processo penal italiano, paradigma para o Ocidente.
Quem opta pela luta armada numa democracia carece de ideias aptas a obter votos e todo sangue que faz correr é necessariamente inocente, ainda que seja de agentes públicos que operem, dentro da legalidade, na defesa das instituições edificadas a partir da vontade popular.