A algazarra dos formandos em medicina da Universidade de Londrina nos corredores do Hospital Universitário permanece ecoando nos ouvidos da comunidade que receberá esses profissionais. A cena dos estudantes saindo do bar em direção ao Pronto Socorro parece o começo do ataque de uma horda de bárbaros ou de arrastão de torcida organizada na saída do estádio. Soldados que perdem o controle e agem como aves de rapina, predando as pessoas indefesas que vêem pela frente, é tema constante na violência extrema das guerras, a exemplo do que ocorreu na prisão de Abu Ghraib no Iraque, quando militares norte-americanos, dentre eles uma mulher, seviciaram prisioneiros. Contudo, a cada evento renasce a esperança de que haverá aprendizado com o sofrimento e gente bem educada optará pela não-violência.

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Esse desejo de viver em meio a condutas corteses e de apoio aos mais fracos embaça a memória; com isso as pessoas se assustam e são tomadas por indignação toda vez que ocorre violência fútil como a praticada contra crianças, mulheres, velhos, doentes. O sentimento de surpresa é acompanhado por um certo ceticismo, uma sensação de deja vù, quando o novo ato agressivo é praticado por homens jovens que vivem em situação bruta porque essa é a tônica da história. A agudíssima intensidade emocional oriunda da agitação dos estudantes no hospital é causada por um fator adicional: havia meninas e todos no grupo serão médicos daqui a alguns meses. Esse componente provocou tristeza mais doída do que as imagens de uma turba em ação costuma causar. Dá um calafrio se imaginar desvalido no catre de um hospital sendo velado por alguém que não tem comiseração, piedade, por quem está fragilizado.

Como sói acontecer diante da violência, surgiram afirmações de que a responsabilidade não é dos algozes. Como nesse caso ficaria ridículo dizer que a culpa foi das vítimas, imputou-se à Escola o ônus do malfeito, sob a alegação de que não houve suficientes aulas de ética. Ora, o jardim-de-infância ficou vinte anos para trás! Aquele cartaz da enfermeira com o dedo indicador estendido na vertical sobre os lábios é inteligível até para as crianças: significa que é proibido fazer barulho; não pela proibição em si, como um atentado à liberdade dos indivíduos rudes; o fundamento da proibição é que o silêncio auxilia a restauração da saúde dos pacientes. Além disso, é uma forma de respeitar o sofrimento que pesa no ar de um hospital. Para compreender essa obviedade não é necessário fazer doutorado, basta não se considerar a razão da existência do mundo, que começou no dia do nascimento do egocêntrico e acabará quando ele partir para fundar o paraíso em seu entorno.

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O indivíduo é o centro da nossa civilização. Mas todos os indivíduos o são! Sem polidez as relações entre as pessoas se tornam abrasivas, como lixas ao roçarem uma nas outras. Seixos polidos no leito nos rios se tocam com baixo atrito. As regras de etiqueta, ainda que não transformem a natureza interna de um indivíduo, tornam menos agastantes os contactos sociais e, com isso, diminuem o sofrimento causado pelo atrito. A "educação para a liberdade" que impregnou as escolas a partir dos anos 80 ignorou a aspereza ínsita na condição humana e demoliu as regras de cortesia como se fossem inibidoras da liberdade. Sem gentileza, sem bons modos, a liberdade dos humanos é igual à dos animais na selva.

A ausência de punição jurídica decorrente de incertezas sobre a autoria não elide a reprovação moral que se augura tenha espaço na consciência desses jovens. Que o remorso produza atitudes menos etílicas é mais éticas.

Friedmann Wenpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.