Zelaya, cujo chapéu e bigode, trazem à memória os filmes de bang-bang, nos quais havia um latino bigodudo, suado, fígado encharcado de tequila, com jeito de quem atravessou o deserto e ainda não decidiu se vai tomar ba­­nho, está na embaixada brasileira em Tegucigalpa, capital de Honduras, onde pediu proteção; empresário bem sucedido, foi eleito presidente; no curso do mandato se encantou com Hugo Chávez e, contra uma decisão da Corte Suprema, estava convocando plebiscito para decidir sobre infinita reeleição, a exemplo da Venezuela. Derribado do poder, foi proibido de retornar ao país. Como uma espécie de zumbi das Repúblicas de Bana­­nas, ficou passando o chapéu pelas Américas atrás de um cargo pra chamar de seu e, embora tenha conseguido muita simpatia contra os golpistas que tomaram o governo, não obteve sucesso para o projeto de voltar triunfante, carregado nos braços do povo até o palácio presidencial.

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As coisas pareciam ter se aquietado e o assunto Zelaya, Mi­­­­cheletti, Honduras, estava in­­do para o rol das funduras irrelevantes, quando uma manobra engendrada por Hugo Chávez trouxe a confusão para o terreiro do Brasil. Do ponto de vista do direito internacional o acontecimento é sui generis: normalmente as embaixadas são utilizadas para asilo diplomático de quem deseja sair de um país; Zelaya está usando a em­­baixada brasileira como palanque para voltar à política interna; reuniões com apoiadores estão se realizando na sede da missão diplomática, criando situação desconfortável, pois o Brasil está interferindo na política de Honduras. Para se me­­dir o constrangimento, basta imaginar idêntica situação ocorrendo aqui, com um brasileiro apeado do po­der usando alguma embaixada como co­­mitê político. Ficaríamos furiosos se es­­trangeiros enxeridos metessem o bedelho nas nossas liças do­­mésticas.

A outra parte da história é a esperança que o Brasil tem de incolumidade da área física de sua missão diplomática. Essa imunidade é amplamente reconhecida como algo imprescindível para as relações internacionais e a desconsideração mais famosa a essa gentileza recíproca foi a invasão da embaixada americana pela guarda islâmica do Irã, em 1979, com o cativeiro do pessoal diplomático por 444 dias. O trato entre os Estados, ainda que tácito, é mais ou me­­nos assim: você não põe o coturno dos teus soldados na minha embaixada que eu não invado a tua no meu território. Adiciona-se a essa imunidade, calcada na expectativa de reciprocidade, o acordo de não permitir que o espaço seja utilizado como plataforma para atividades que interfiram nos assuntos in­­ternos do país que recebe a embaixada. Todas as me­­suras diplomáticas estão assentadas nessas premissas e o Brasil sempre as hon­­rou, tanto que as lavrou na Consti­­tuição, como princípio da autodeterminação dos povos e o seu correlato que é a não intervenção.

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Se vier a lume alguma articulação brasileira para facilitar a chegada de Zelaya a Honduras e a entrada na nossa embaixada, ficará patente a intervenção em assuntos internos. Se o nosso governo for inocente no antecedente, está agindo de modo leniente nos acontecimentos posteriores à entrada de Zelaya na sede da missão diplomática. Para se manter fiel a sua própria Cons­­tituição, o Brasil só poderia permitir a visita de parentes próximos de Zelaya, proibindo comícios na embaixada e deveria, ato contínuo à chegada, providenciar a saída em segurança. Se o governo não zelar pelos princípios constitucionais, a chance do Brasil sair chamuscado desse episódio é enorme.

Enquanto os hondurenhos recebiam Milene Domingues, "a rainha das embaixadas", o Brasil era festa, futebol, espetáculo, em situação fácil de administrar e de colher dividendos políticos. Agora as coisas não se resolverão com jeitinho; será preciso escolher entre amizade a pessoas e fidelidade a princípios.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito na UTP