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Sob o choque do atentado às torres gêmeas, os norte-americanos assistiram bestializados à entrada triunfal dos seus soldados em Bagdá. Imagens fortes ficaram na retina: estátuas de Saddam Hussein vindo abaixo, torneiras de ouro dos palácios, praças americanos esparramados sobre cadeiras Luiz XV; por fim, encontraram Saddam num buraco, tão sujo quanto um tatu, o levaram a julgamento e execução por en­­forcamento. A explicação para a agressão militar foi a de que o governo ditatorial do Iraque mantinha estoque de armas de destruição em massa (nucleares, químicas, biológicas); por força disso, a iniciativa da guerra seria justa como forma de legítima defesa preventiva. Os argumentos se mostraram mendazes, mas o sangue, a destruição, a tristeza, são muito reais.

Seria o fim da história não fossem os diabinhos que moram nos detalhes. Sem a mão de ferro de Saddam, a artificialidade do Iraque, tal qual a da extinta Iu­­goslávia, veio à tona e os grupos étnicos entraram na fase aguda do litígio, com a adição dos camicazes religiosos, muito mais perigosos que os precedentes japoneses que se matavam pelo Estado. A ditadura havia praticado genocídio, mas o seu fim abrupto, sem que as forças políticas internas tivessem estipulado um modus vivendi para o porvir, abriu a caixa de pandora. A vida no Iraque era ruim e ficou pior; os vizinhos se sentiam incomodados e o Kuwait havia sido invadido em 1990, mas as coisas desandaram mais ainda. A tolice estratégica do governo Bush moveu as pedras no tenso tabuleiro do xadrez que se joga no Oriente Médio desde sempre e acabou fortalecendo o Irã que reforçou a sua presença política no Iraque sem nenhum custo. A rigor, os americanos serviram de bucha de canhão para fazer o serviço sujo que o Irã faria hora ou outra na sua expansão regional e como resposta à sangrenta guerra que travou com o Iraque de Saddam nos anos 80.

Sete anos depois da entrada retumbante das tropas da "coalisão do bem" em Basra e Bagdá, com a guerra de videogame transmitida ao vivo para o mundo, o único vitorioso é o Irã que se livrou de adversário com quem disputava a hegemonia regional. Hoje o Irã, armado até atrás da orelha, se tornou o senhor da região que conecta três continentes e está sentada sobre petróleo. O equívoco estratégico de um governo criou situação que fragilizou o equilíbrio nuclear e, de certa forma, acelerou a corrida armamentista de países que não tinham no seu horizonte próximo a intenção de expender recursos com armas, a exemplo do Brasil. Na verdade, nunca tantos foram prejudicados pelos erros de tão poucos.

Obama está cumprindo a promessa de reduzir a presença militar norte-americana no Ira­­que. É de se dizer que os demais países da coalisão, exceto o Reino Unido, que nesse tema foi mero peixe piloto da sua ex-colônia, já retiraram seus militares de combate. Parecia que ia melhorar, mas o fundamentalismo consegue fazer o ruim ficar péssimo; bastou o anúncio da diminuição da presença dos soldados para os carros-bomba voltarem a explodir e as correrias de pessoas aturdidas, bombeiros, mulheres se esvaindo em pranto tisnarem os televisores. Não será uma saída à francesa. Como aditivo a esse ambiente, os iraquianos ao votarem a formação de Parlamento, não deram maioria a nenhum partido e já se vão meses sem que se consiga formar governo definitivo.

A suma da ópera: os norte-americanos arcaram com custo político pesado pela decisão de invadir o Iraque e terão igual custo pela saída. O grave erro estratégico de fazer guerra nitidamente injusta não foi enfrentado pelas forças políticas internas nos Estados Unidos em razão da anestesia moral e intelectual resultante do horror da agressão contra o coração de Nova York. Essa ataraxia da democracia talvez seja a grande vitória dos terroristas e o maior perigo para as expectativas de vida livre, plural, que norteiam a cultura política do Ocidente.

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