O breu e o silêncio absolutos das funduras ermas das minas convidam à meditação e, ao voltar à luz do sol, a paisagem humana causa espanto: o fastígio áureo foi seguido por pobreza crônica. Cada montanha que se vê no belo horizonte foi revirada nas entranhas. Escravos, gentios, trabalharam brutalmente para pagar as arrobas de ouro exigidas pela Coroa de Portugal. Túneis quilométricos revelam a operosidade de pessoas que labutaram intensamente movidas pelo desejo de enriquecer. Centenas de toneladas de ouro foram arrancadas das geraes. Ouro Preto foi a Potosi lusa. Do século 18 o pensamento salta para o 21 e vem à mente o pré-sal. Será que ao cabo da exploração do petróleo (sim, haverá fim) o único patrimônio serão os buracos?
O raciocínio econômico pueril dos anos 70 via na sanha da metrópole a causa da pobreza da colônia. Ora, as metrópoles ibéricas restaram paupérrimas, e a Inglaterra, sem ter um grama de ouro, se tornou o centro da riqueza mundial. Madrid e Lisboa construíram impérios coloniais para extrair e consumir; Londres queria mercados para vender a hiper-produção de suas fábricas.
O extrativismo à época não carecia de grande capital para o desenvolvimento da atividade; bastava, à Glauber Rocha, uma picareta na mão e uma lenda na cabeça. Inventar e construir motores a vapor para movimentar teares e trens demandava penosa acumulação de capital, conseguida por meio de poupança particular e pública. Houve troca inter-temporal: a ibero-civilização, senhora do mundo da Ásia à América, se fartou à larga comprando os bens industriais ingleses; quando houve o choque político, a civilização pré-industrial ruiu silenciosamente como muralhas que crianças fazem na praia. A pobreza mineral da ilha do Reino Unido e suas colônias foi uma das causas da troca intertemporal inversa à ibérica: os ilhéus acumularam capital atuando nas franjas dos impérios luso-hispânico e, impulsionados pela liberdade científica do protestantismo, aplicaram o capital em meios de produção, gerando nova modalidade de riqueza: a decorrente da indústria.
A capacidade de produzir, com o auxílio de máquinas, milhares de objetos padronizados e baratos gerou vantagem política que permanece vigente, embora hoje esses povos industriem, principalmente, bens imateriais tais como moda, cinema, música, sistemas computacionais, serviços bancários, seguros. Resumo da ópera: riquezas naturais não se transmutam diretamente em riqueza social. Se fosse assim, a Venezuela seria o paraíso.
O petróleo do pré-sal talvez seja a última grande reserva do mundo e, ainda que seja combustível sujo, será valiosa por muito tempo. Para explorá-la são necessárias montanhas de dinheiro para custear desenvolvimento de tecnologia, zelo com o ambiente marinho, construção das plataformas, dutos, navios. A exploração não deve ser conduzida de modo aventureiro e a gerência da riqueza extraída da terra deve ter em conta o fomento ao estudo e à qualificação dos brasileiros para atividades produtivas industriais e pós-industriais. A riqueza não está nas coisas, está nas pessoas que sabem gerar conhecimentos e produtos.
Dizem que o diabo mora nos detalhes. É certo que ninguém em sã consciência deseja que o futuro repita o passado e as entranhas do leito marinho se tornem cemitério de boas intenções. A tanto impende haja marco regulatório estável, apto a garantir segurança jurídica para os empreendedores e conduzir projeto de mudança do patamar civilizacional. A discussão sobre as minúcias está em andamento no Congresso Nacional; cumpre a nós, eleitores, acionar nossos procuradores (deputados e senadores) para que façam as opções mais afinadas com a grandeza que almejamos para o Brasil.
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Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.
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