Esparta e Atenas. Um povo, dois modos antagônicos de viver e ver o mundo; quartel e plenário, hierarquia e democracia, disciplina e liberdade, soldados e cidadãos. O esparciata existia para servir militarmente à Cidade-Estado. Do berço ao túmulo, treinado para vencer os não patrícios. As relações de família e amizade, estruturadas para a vida castrense integral. O espartano não era livre. Soldados não o são. O ateniense tinha liberdade para escolher a atividade à qual entregaria suas energias. A ágora (praça), não o quartel, era o centro da cidade. Ali se respirava política, participação, discussão, liberdade de pensamento. Óbvio, as características de Atenas devem ser ubicadas no contexto e no tempo, tanto que a cidade condenou Sócrates pelas ideias, a partir das quais o aluno Platão legou monumento intelectual que viria a constituir, nas antíteses com Aristóteles, o pensamento ocidental moderno.
Esparta era poderosa, mas não o suficiente para vencer o tempo. Dos seus heróis musculosos restou memória da batalha dos 300 nas Termópilas, decisiva para a liberdade de todos os gregos e, talvez, o evento que tenha definido a linha entre ocidente e oriente. Atenas, indisciplinada, agitada, sobreviveu aos séculos nas palavras que usamos, na poesia, teatro, ciência, religião, filosofia. Entre si foram tese e antítese que marcaram a história dos gregos da antiguidade, mas chegaram ao ocaso sem oferecer síntese ao mundo. A rigor, a dialética entre as duas nunca resultaria em síntese, assim como água e óleo não geram algo novo. Liça encerrada antes da vitória de uma sobre a outra porque ambas foram dominadas pelos romanos.
O indivíduo para o Estado e o Estado para o indivíduo continuaram a ser modus vivendi de muitas sociedades políticas, mas sem a intensidade da oposição entre Esparta e Atenas. A Alemanha nazista se aproximou da organização de Esparta, inclusive na afirmação da inferioridade de outros povos, subjugados para operarem as atividades consideradas infames. Felizmente durou pouco e ao fim da II Guerra havia a impressão de que o jeito ateniense seria vitorioso.
O império soviético se tornou a nova Esparta, criando em torno de si a grande Lacedemônia. Atenas saiu da Europa em direção a América do Norte. A guerra fria foi aguda tensão dialética entre os dois modos distintos de viver. Mais uma vez, Esparta sucumbiu face ao dissenso interno gerado pela inexistência de liberdade. Quando a bandeira da foice e martelo foi arriada definitivamente em 1991, tinha-se a sensação de que o mundo passara a ser imensa ágora e que a liberdade abriria as asas para a democracia, a maior invenção de Atenas.
Contudo, o mundo continua a ser o que sempre foi. Os Estados Unidos da América, onde Atenas parecia ter se fixado, em algum momento começaram a incorporar Esparta; a abertura do filme Apocalypse Now lembra espartanos matando escravos por diversão. Depois da histeria do terror em 2001, a porção ateniense entrou franco em declínio. Hoje, Espartenas, não como síntese, sim esquizofrenia de duas personalidades convivendo num único corpo. Qual delas vencerá?
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