| Foto: Felipe Lima

O uso reiterado e hipócrita do “eu não sabia” tornou essa expressão escusativa muito mal vista. Contudo, confesso que não sabia sobre a Copa América até o Brasil ser eliminado; não sabia quem era Cristiano Araújo; não sabia que a mandioca merece homenagem e que a bola é a maior invenção humana. Também não sabia que devia odiar Joaquim Silvério dos Reis. Se há gente que está se achando, estou no rol dos que se perdem e ficam fora de órbita.

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Talvez essa alienação sinalize incremento da complexidade social. Antigamente nada acontecia e qualquer evento era digno de nota. Além disso, quando havia algo, era no Rio de Janeiro. No Paraná provincial, só chuva e sol, calor e frio. Nosso diário era tedioso como o de Luís XVI, que no dia 14 de julho de 1789 escreveu rien (nada) na página. Dias vazios faziam grasnado desafinado ser assunto da roda de mate. As pessoas eram muito narrativas e contavam longas histórias. Do ponto, fazia-se conto para preencher o vácuo.

A coletividade aberta, livre, dá ensejo à diversidade. Porém, individualmente, não conseguimos ter interesse, conhecer, entender, participar de todos os acontecimentos. Cada um no seu quadrado, diz o verso de uma música – o único que eu sei. Acho que não saber disso e daquilo pode ser modo de proteção do cérebro contra efeitos da hiperconexão no oceano de informações. Ah, também não sei o nome dos membros da trupe do Porta dos Fundos e não conheço nenhum dos ídolos do momento na tevê. Os de que eu me lembro são uma brasa, mora?

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Não saber disso e daquilo pode ser modo de proteção do cérebro contra efeitos da hiperconexão no oceano de informações

Sei operar o celular e até me recordo do tempo em que a gente usava o telefone para falar. Eu não sabia que dá para pagar contas, localizar os radares nas estradas, ser informado sobre os pontos congestionados na cidade. O esforço de saber vai ser compensado por facilidades cotidianas? Como fazer se não consigo enxergar as letrinhas?

Penso, o cômputo do custo-benefício é que orienta parte da decisão de saber ou ignorar. Mas não é só isso. Há sensação de segurança dentro de mundo pequeno, quase claustro. Ao conhecer muito, prazer e dor se acentuam. A amplidão angustia, faz doer a alma, como agorafobia. Não a doença, apenas a sensação da quantidade de dados a ordenar para não ser tragado pelo caos.

Enquanto cogitava sobre as coisas que eu não sei, parei para abastecer o carro e abri o capô do motor para a verificação de rotina. Fiz isso mil vezes sem atinar para o fato de que há muito mais a colocar na lista do que não sei. Daquele motor simples do Opala, do qual bastava sacar a vela, limpar, assoprar e tudo funcionava bem, tenho na frente umas caixinhas plásticas cheias de fusíveis e circuitos eletrônicos. Uma tampa prateada cobre o bloco e mal consigo ver os cabos elétricos e dutos hidráulicos. Deus, onde está o platinado?

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O frentista percebe o espanto e diz para eu não me incomodar porque todos se assustam quando veem o motor do carro. Não me sinto consolado. Fico com vergonha de estar na inscícia ordinária, na mediocridade. Ao mesmo tempo, me eximo da responsabilidade atribuindo culpa à velocidade das invenções e inovações.

Bom, dizem que Pedro Álvares Cabral não sabia quando aqui aportou. Viu, distraídos seguiremos, como diria Leminski.