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Os jogadores de futebol temem as partidas que se realizam na parte alta da Bolívia. A carência de oxigênio faz o cansaço vencer os jogos, que são feios, lentos. De certa forma, a política interna da Bolívia é um jogo sem elegância, cheio de caneladas, faltas maldosas, disputado num ambiente de pouca oxigenação das idéias e de persistente vitória da pobreza. Vê-se alta litigiosidade política e baixos resultados sociais. Não há reformas, só demolições. Quando há construções, vão à ruína antes de estarem prontas. As discussões políticas, excessivamente passionais e vagas, tornam-se pedras no caminho da ação e não, preliminares de ações sábias.

A infindável arenga interna, acentuada pela radicalização ideológica do governo Evo Morales, é fato notório e, de certa forma, uma marca da Bolívia, tal qual a folha de coca. A eleição de Morales ocorreu num raro momento de pacificação e sucessão normal de presidentes. Contudo, a clivagem na sociedade se aguçou porque a ancestralidade ameríndia de Evo está servindo como leitmotiv para um governo de revanche e não de amálgama étnico e cultural, para a valorização de identidade mestiça, boliviana. Parece que Evo pretende ser o Adão de uma nova maneira de organizar a vida social, na qual se misturam mitos sobre um passado idílico dos habitantes pré-espanhóis com uma receita de comunitarismo temperado com socialismo de origem marxista. Para quem não está acostumado com essas palavras, dá para explicar dizendo que é uma salada mista de ideologias, de sabor indefinido, lembrando vinagrete de churrascaria de beira de estrada, que deixa memória do azedume.

A paisagem boliviana é nitidamente dividida entre a planície amazônica e o altiplano andino. São dois mundos diferentes: temperatura, luminosidade, vegetação, animais típicos. Nas montanhas há mais pessoas de origem indígena e na planície, de outras origens, incluindo os brasileiros. Essa grande diversidade étnica e cultural pode ser fonte de alegria ou de tristeza, dependendo do projeto político que se orienta para a interculturalidade inclusiva ou para a multiculturalidade exclusiva dos guetos, das frações e facções. As tensões que estão se acentuando na Bolívia consolidam o fracionamento da sociedade em grupos distintos que se reconhecem como bolivianos, mas vivem separados e não confiam uns nos outros.

A ausência de confiança entre as pessoas – especialmente entre estranhos – nas relações sociais é a principal fonte da pobreza. Todos os povos fizeram indagações sobre o caminho da prosperidade. Muitas respostas produzidas ao longo da história se mostraram equivocadas e o estado atual do conhecimento sobre a vida em sociedade permite afirmar que sem instituições públicas coerentes e duráveis não há geração de riqueza material e emocional. Minérios e solo fértil, a Bolívia tem em abundância. Falta estabilidade política que possibilite a construção de instituições – bens imateriais – suficientes a alavancar o progresso.

O Brasil deve estimular a paz na Bolívia e a edificação de um pacto nacional pelo desenvolvimento. A eventual cisão conflituosa poderá gerar problemas políticos de grande expressão na América do Sul, especialmente porque terceiros podem resolver intervir e, para chegar à Bolívia, precisarão voar sobre o território brasileiro. Ocorre que o trânsito de soldados nesse tipo de situação é proibido pela Lei Complementar 90 que regulamentou o artigo 21 da Constituição Federal do Brasil. Ou seja, o bem-estar dos bolivianos é assunto que nos diz respeito diretamente.

Friedmann Wendpap é professor de Direito da UTP.

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