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Existe um projeto político denominado iberismo que tem a meta de unir Portugal e Espanha num único país; bom número de portugueses gosta da ideia e os espanhóis, por sua vez, em grande número desaprovam. É curioso que os dois grupos tenham en­­trado com entusiasmo na União Europeia, mas quando se trata da união política completa com o vizinho, não fazem gosto. A Es­­panha é resultado da costura de várias nacionalidades e a lusitana seria mais uma a somar no mosaico. Os mais de oitocentos anos de existência de Portugal definiram identidade cultural que os individualizou como na­­ção. Há eles e nós, nós e os outros de modo bem delimitado, com fronteiras facilmente localizáveis no uso do idioma. Contudo, uma criança não nasce portuguesa ou espanhola: a sua mente é formada numa ou noutra cultura e ao fim há um adulto de lá ou de cá. Preferir bolinhos de ba­­calhau à paella é construção cultural e não dado natural. A vi­­vência numa cultura serve para aproximar de alguns e distanciar de muitos; dá sentimento de pertença e aproximação que conforta a existência e, ao mesmo tempo, energia para cometer atrocidades contra os outros, contra o estranho.

Os planos de convivência de todos os humanos em situação de fraternidade não soem levar em consideração as faces de Ja­­nus, a bifrontalidade que carac­­teriza a condição humana de defender o próximo e repelir o distante. Na admissão de estrangeiros essa característica aparece com nitidez: recentemente o governo concedeu anistia a cerca de 50 mil estrangeiros que es­­tão ilegalmente no Brasil. Houve aplausos merecidos. Todavia, haveria apoio se fossem 5 mi­­lhões? Qual das faces de Janus prevaleceria? Somos todos hu­­ma­­nos viventes na mesma situação, mas essa identidade básica não impede que haja o sentimento de que tudo está em or­­dem quando cada um fica no seu quadrado. Para os espanhóis, o quadrado dos portugueses é Portugal; para os lusitanos, cujo "quadrado" é menor que o dos espanhóis, a ampliação de suas possibilidades gera algum desapego ao seu espaço no mundo.

Semelhante linha de pensamento pode ser desenrolada ao longo da relação entre o Brasil e o Paraguai que é muito mais ampla que a cooperação em Itaipu, mas que tem na usina um símbolo. Por mais que as condições da avença sejam justas, os paraguaios têm o sentimento de que o grande se prevalece do pequeno, de que o Brasil pisou no espaço deles e manterá o pé ali para sempre. Ao contrário dos portugueses que pisariam livremente na Espanha caso se concretizasse a União Ibé­­rica, os paraguaios veem o Brasil como alguém que não sabe ficar no seu quadrado e avança para ocupar espaços culturais, econômicos e políticos. Não há emoções simples, unívocas. Racionalmente se pode argumentar com as vantagens recíprocas, mas toda a inteligência passa por um filtro emotivo que dá ensejo à dubiedade, ao olhar em duas direções, quando não, omnidirecional.

A identidade de um mosaico é feita pela engenhosa disposição de caquinhos que têm individualidade. À distância se pode ver o todo; de perto, se perde a visão do conjunto e se ganha a da partícula. Caso a distância entre os cacos fosse muito grande, a imagem geral seria perceptível apenas muito de longe; se não houvesse espaço entre as pecinhas, não seria um mosaico. Para haver identidade de indivíduos e de povos, é imprescindível que haja separação entre eles; porém, se forem distantes em demasia, não haverá possibilidade de construção das pontes de interculturalidade que permitem a aproximação e, ao mesmo tempo, a preservação dos espaços naturais e culturais. Assim, embora cada um esteja no seu quadrado, o do lado não é inimigo, é apenas o outro sem o qual nunca haveria altruísmo.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP

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