Noticiou-se ao longo do ano vários casos de violência sexual contra crianças. Nesse ambiente de tristeza e perplexidade ressurgiu a proposta de supressão química da libido de pedófilos com base na afirmação de que eles reincidem na violência sexual. Em contrapartida, militantes de direitos humanos afirmaram que seria uma pena cruel vedada pela Constituição Federal. Apresentados os argumentos de abertura, convido o leitor a refletir sobre o tema. Somos cidadãos do Brasil, aqui a nossa vida acontece e o futuro dos nossos filhos acontecerá. Temos o dever de pensar sobre as questões difíceis e participar das decisões públicas que em algum momento serão tomadas.

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Para que se consolide a convicção é importante ir além dos argumentos rotineiros que não expõem o problema por inteiro. Por exemplo, dizer que devemos adotar a inibição química porque outros países a utilizam é argumento singelo que não a torna legítima. No Irã a homossexualidade é punida com enforcamento e nem por isso importaremos tal prática. Nem mesmo a Europa é uma referência a ser copiada cegamente, porque se o fizéssemos prenderíamos turistas estrangeiros em cubículos nos aeroportos até a repatriação.

Por outro lado, a asserção de que a Constituição proíbe penas cruéis padece do defeito grave de sufocar o debate sem que haja exaustão dos prós e contras. Interpreta-se o texto constitucional como se fosse um dogma religioso e se lança, sobre quem tenta desenvolver o processo dialético de estruturação do pensamento, a pecha de inimigo dos direitos humanos, reacionário. Essa postura é igual àquela que imputa heresia, havendo apenas a mudança dos objetos que de sacros passam a seculares. Na democracia existe o dever cívico de examinar profundamente os temas de interesse coletivo, sem medo das idéias e sem exclusão das pessoas em razão dos pensamentos que elas produzem.

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Há uma sentença judicial proferida em Sergipe em 1833 que condena "o cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do Xico Bento, será capado, capadura que deverá ser feita a macete." Ao escolher um título para o desenvolvimento das idéias, propositadamente passei ao largo da forte expressão castração química. As palavras ativam emoções e inteligência e para os homens a mera imaginação do ato de macetar provoca reação instintiva de defesa. Do ponto de vista racional, o núcleo da questão é o fato de que algumas pessoas são portadoras de doença psíquica incurável e, expostas à convivência social, se comportarão como lobos entre ovelhas. Diante da alta probabilidade de reincidência é correto conceder liberdade aos pedófilos ou se deve mantê-los perpetuamente cativos para proteger a comunidade?

Períodos longos de cadeia não ressocializam pessoas com essas taras e, por outro lado, assegurar o direito à liberdade depois de cumprida a pena afeta a segurança da coletividade. O direito difuso à segurança é tão precioso quanto o direito individual à liberdade. A ciência oferece meios que permitem decidir essa tensão entre os direitos fundamentais. Se em 1833 o único recurso para compatibilizar o singular e o coletivo era o macete, hoje é possível fazer a inibição controlada da libido, tratamento médico que permite ao tarado manter convivência social sem se transformar num monstro. Cabe dizer que a medicação não penaliza cruelmente, apenas trata uma doença incurável.

As famílias dos pedófilos sofrem; as vítimas e suas famílias, também. Para o indivíduo que padece desse fado de lobisomem a opção pela liberdade em detrimento do desejo sexual é um sofrimento, mas não há solução que garanta plena felicidade a todos. Diante desse quadro, ficam algumas indagações: é imperativo escolher entre os danos ou é melhor deixar as coisas do jeito que estão? Se a sociedade eleger a alternativa da castração química dos pedófilos, qual será o limite do uso da medicina para o controle de outros comportamentos? Os dilemas éticos estão abertos.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor da UTP.