A luz se apaga, o filamento da lâmpada brilha um átimo a mais; o escuro urbano, alcançado com o uso de cortinas, vai se tornando transparente para o olhar que conhece a casa; os olhos não se fecham, zumbidos de insetos invisíveis começam a soar diretamente no crânio. Você está e não estamos. Presença mental, ausência física. Os sentidos registram sensações que o cérebro processa de modo confuso. Sei que você não está, mas esteve e impressionou intensamente. Táctil, aromática, sonora, as imagens do movimento flutuado pelo quarto, sensações que se amplificam no escuro. A mão, quase autonomamente, vai à tecla e a luminosidade machuca os olhos que são compelidos à certeza da solidão.
As janelas se abrem para o vento esfriar a face rubra de emoções que irradiam. Pretérito que não se rende ao presente; ausência com a sensação de presença. Melhor fosse mais nítido: esteve e não está. Éramos, sou. A varanda, o frio real e o calor emocional digladiando, há estrelas; a lua, uma linha luminosa do crescente emoldura o disco escuro que em sete dias alumiará. O olhar se levanta, como tentando vencer a curvatura da Terra para te ver ao longe. Imagens não vistas, imaginadas, invadem cada canto da racionalidade e trazem a emoção que não aflorava, perdida entre o fato e as impressões. A saudade vem como ato de juízo, trazendo lágrimas que quase fervem na pele febril. A saudade diz que você não está e que devem esmaecer as sensações de presença. Aceitar a ausência, ainda que seja preciso chorar.
Minutos ou horas? Quanto tempo se foi? O corpo esfriou, pelos eriçam, o queixo treme. É hora da resignação racionalizada, explicada, metódica. Hora de se lembrar de Camões, em suas peripécias na Indochina, alimentando-se anos a fio de saudade para, ao ter piedade dele, se autoconsolar. Janelas cerradas, cortinas abertas, os sons noturnos da casa, luzes apagadas. O corpo no leito, travesseiros que não se ajustam, cobertas que não dão a temperatura de conforto. É imperioso dormir. Há trabalho amanhã. A agenda do dia seguinte começa a ser organizada como fuga da saudade que é aceitação da ausência e, por isso, muito triste. As rotinas mentais de organização das atividades entram em choque com a vontade de ter a tua presença. Movido pela saudade, Camões falou do contentamento descontente, da dor que desatina sem doer; esqueceu de dizer do abraço que se sente sem te ter.
Luzes acesas; música, música, o auxílio luxuoso da música. Por erro ou por decisão irracional, do computador salta a voz de Luiz Melodia perguntando onde anda você e que por falar em saudade você bem que podia me aparecer. Onde anda você? Ah, essa ferida dói e se sente. Como se fora para doer mais, o Pérola Negra diz "tente passar pelo que estou passando". É preciso fugir desses versos que fazem explodir a sensação de que só resta a poesia. Escolher outra música, alguma que não fale de ausência. Mormaço começa e as lágrimas brotam; ela também canta a saudade. Melhor é desistir de dormir e seguir vivendo de amor e palavra nesse país tão continente.
Pálpebras se fecham, dedos tocam o interruptor, olhos avermelhados sentem o conforto da escuridão. As emoções consumiram tempo e energia; a exaustão se fez presente e exigiu rendição incondicional. A luz se apaga.