A cara do ditador feioso já deixou a cena política para entrar na galeria dos horrores da história. Kadafi depôs o rei Idriss em 1969 e se tornou fundador de dinastia que tinha pretensão de ser a nova linhagem monárquica da Líbia. Entre seus filhos já havia competição pelo posto a ser herdado do pai. Todas as monarquias ainda existentes tiveram origem semelhante: alguém, em algum lugar do passado, apropriou-se do poder e foi legando aos descendentes. Kadafi se daria muito bem a uns 500 anos. Ele era o sujeito certo na hora errada.
A monarquia é a extensão do direito de propriedade a todo um país. O monarca, quer use o título de rei, imperador, guardião do povo, age com a mesma sem-cerimônia de alguém que seja proprietário de imóvel grande, sobre o qual vive muita gente. Tal qual a propriedade, a monarquia é essencialmente excludente porque ninguém nascido fora da estirpe do monarca será chefe de Estado, salvo a ocupação violenta. Kadafi se deu mal porque as repúblicas algo levemente distinto de democracia tornaram-se a referência mundial para a organização política.
Tiranos espalhafatosos ou discretos ascendem amiúde, mantém-se no poder e caem fragorosamente. No passado, muitos desses usurpadores conseguiram consolidar dinastias que persistem até hoje em lugares chiques como Reino Unido, Japão, Suécia. Em Cuba e Coreia do Norte, famílias estão se consolidando como proprietárias do Estado. Ser Castro é metade do caminho para chegar ao poder em Havana. Diga-se, a grande frustração dos tiranos é a prole de mulheres. Não há ditadoras. Os caudilhos são movidos a testosterona e querem varões para dar continuidade ao projeto de poder.
Contudo, a regra tem sido o fracasso dos pretendentes a fundadores de reinados. Idi Amim Dada em Uganda; Juan Perón na Argentina; Anastácio Somoza na Nicarágua; Alfredo Stroessner no Paraguai; Josef Stalin na União Soviética; Salazar em Portugal. Al-Assad na Síria é filho do ditador antecessor. A iminência da queda parece demonstrar que os projetos monárquicos têm pernas curtas. Os exemplos passam de centena. É certo, há um quê de pretensão na enunciação de constante científica, sobretudo no campo do conhecimento social, mas se pode dizer, sem receio de errar feio, que novas monarquias não se formarão em lugar algum porque a ideologia da república se tornou o substrato de pensamento que informa, de modo pré-racional, a conduta política da maioria das pessoas, independentemente da cultura em que estão imersas.
A insurreição que derrubou Mubarak, Kadafi et alli deve ser creditada ao inconformismo ante a formação de novos reinos, nos quais o povo queda subalterno a uma família que se arroga a condição de dominadora da riqueza e do destino de todos os indivíduos. A repulsa à monarquia pode denotar progresso moral na perspectiva institucional.
Tempos brutos sempre existirão. Mas, quem sabe, a infantilidade política das pessoas submetidas a monarcas que se arvoram a condição de pais do povo esteja em via de ser coisa do passado.