"Eu vi futuro melhor no painel do meu Simca Chambord, mas aí vieram jeeps e tanques e mudaram nossos planos." Nesse verso do Marcelo Nova há poderosa síntese das fragilidades políticas e econômicas brasileiras: tudo que parece sólido, desmancha no ar. Em 1986, no plano Cruzado, houve a sensação de súbita riqueza, logo apagada pela hiperinflação em 1988, 1989. Outra euforia de compras, viagens, carros novos, ocorreu em 1998, ano em que Fernando Henrique Cardoso se reelegeu no primeiro turno e, em janeiro de 1999, o mundo ruiu com a maxidesvalorização do real, o fim do câmbio fixo e início da livre flutuação do real diante das moedas estrangeiras. Indo um pouco mais para o passado, no início da República, se chega à farta emissão de dinheiro que provocou inflação, falências, recessão. Gastanças, seguidas de penúrias e empobrecimento.
A repetição dos desastres não servia de lição até que a segunda fase do Plano Real, iniciada com a liberação do câmbio que nos tirou da trilha do abismo onde a Argentina caiu três anos depois, infirmando o efeito Orloff, teve-se a impressão de que as coisas estavam entrando nos eixos; o fim das amarras cambiais, a vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, os sucessivos superávits do Tesouro da União, a estabilização do valor do real ante o dólar e o euro, o controle da inflação, a redução da dívida pública, formaram painel de bons fundamentos econômicos que permitiam ver futuro melhor. O único tremor ocorreu em 2002, na eleição presidencial, quando o medo do então sapo barbudo fez o valor do real despencar, levando à relação de quase quatro por um dólar. Em 2003, a manutenção do rumo iniciado em 1994 e refinado em 1999, desanuviou o ambiente e o desenvolvimento econômico começou a dar sinais de que não era apenas aquecimento resultante de febre econômica, mas de ganho de musculatura.
Hoje os painéis são mais sofisticados, mas a farra de carros importados, crédito à beça, sofreguidão para viajar logo para o exterior como se de uma hora para outra a festa fosse acabar, dá a sensação de dèjá vu e o desconforto de imaginar que ainda somos infantes, incapazes de prudência, de poupança, de produzir mais e consumir menos, de estabelecer limites ao custo do aparato público. A alegria de consumir imediatamente e pagar a prazo tem um componente quase mórbido porque as pessoas ficam felizes ao se endividar. O presidente João Goulart também falou na tevê que a gente ia ter muita grana para fazer o que bem entender e deu no que deu.
Ainda exportamos produtos de baixo valor e importamos itens elaborados, caros, nos quais há aplicação de tecnologia. Não vendemos produtos culturais (filmes, músicas, artes), imateriais (sistemas informatizados, conhecimento, direitos de patentes industriais); pouco ganhamos com o turismo porque não zelamos de nossas belezas naturais e artificiais. Estamos agindo como novos ricos, mas a comédia das gafes de burguês fidalgo tende a se tornar tragicômica quando, combinada com riqueza volátil, a realidade falando em mandarim, cobra a conta.
Sinais de perda das condições de equilíbrio econômico começam a se tornar visíveis e um deles, particularmente, é desconcertante: piso cerâmico chinês, em qualquer loja de material de construção, é mais barato que o similar nacional. Enquanto o custo para produzir aqui for tão alto, o desenvolvimento será aos trancos e quedas do barranco.
Na campanha eleitoral em curso, pouco se valorizou o amadurecimento da economia brasileira e os benefícios que os poucos anos de condução séria, ao longo do governo do PSDB e do PT, foram capazes de produzir. A eleição de 2010 pode ser o marco da consolidação do Plano Real, ou a sua lápide.
Bem, pior de tudo, acabou-se o Simca Chambord.