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Domingo de sol que sucedeu meses de chuva, temperatura agradável, as ruas do Alto da Glória com flores do final da primavera; o cenário quase bucólico em torno do palco parecia reforçar as condições para belo espetáculo esportivo. Porém parte da plateia se comportou de modo cinzento, destrutivo, boçal. A feiura se fez com a ação humana. Há explicação que isente os bárbaros de sua responsabilidade? Não se trata de luta de classes, de revolta dos oprimidos, de rebeldia juvenil; se tratam de atos violentos praticados por pessoas que tinham plenitude das faculdades mentais e poderiam ter decidido agir de modo diferente. As explicações que suavizam os fatos, que tentam atribuir a responsabilidade a elementos externos aos indivíduos que decidiram agir violentamente, servem apenas para aumentar a sensação de impunidade e alimentar o ciclo de violência.

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As pessoas que foram ao estádio têm dinheiro para pagar o ingresso, não estavam famintas (ao contrário, as imagens mostram obesos), conhecem as re­­gras do jogo e sabiam da possibilidade do rebaixamento. A máxima revolta admissível seria in­­formar ao Clube a decisão de passar a apoiar outro time. Ne­­nhuma explicação torna justa a ação violenta contra os policiais, os árbitros, o time adversário, o próprio time. Não há discurso que torne justa a destruição do patrimônio do Clube e das pessoas que moram nas imediações. Confirmadas as condutas ofensivas, os violentos devem ser punidos. Há imagens em abundância para formar convicção sobre a conduta de centenas de indivíduos. Em relação a quem existe apenas prova de invasão do gramado, sem que se tenha certeza sobre outras condutas, não se pode imputar crime, mas o Clu­­be poderia declará-los persona non grata e proibir que voltassem a assistir jogos no Estádio. Não por um mês; por uma década. Para todos os que comprovadamente praticaram atos mais graves, além das sanções judiciais, deve haver vedação perpétua ao ingresso no Couto Pereira e, quiçá, em outros estádios. A exclusão dos violentos não precisa aguardar ordem judicial. O estádio é espaço particular; o dono decide quem entra.

A violência não é fado ao qual se está à mercê, sem possibilidade e legitimidade para reagir. Individualmente, diante da arma do bandido, nada se pode. Coletivamente, muito há a fazer. Por óbvio, o primeiro passo é exigir governos mais comprometidos com a segurança pública e mais eficientes no uso dos recursos sociais para atingir essa condição primeira de vida civilizada; o segundo passo, para entidades de largo poder social como as agremiações esportivas, é excluir de seu corpo de associados e simpatizantes quem faz guerra ao invés de festa com as alegrias e tristezas típicas do entretenimento lúdico dos jogos.

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Algazarra, pantomimas, até mesmo linguajar chulo são parte do calor dos desafios esportivos. Eles são encenação de pelejas que na antiguidade terminavam em sangue. Não se deve permitir que o passado volte num dos poucos temas onde houve alguma nesga de progresso moral. A arena ro­­ma­­na e a curitibana estão separada por 2 mil anos e pela convicção de que a fúria sectária, grupal, não deve resultar em violência entre os atletas e nem dos adeptos. Para afirmar os valores da ci­­vilidade é imprescindível punir, civilizadamente, os violentos.

Ainda que os valores positivos e negativos sejam construídos e, portanto, suscetíveis a variação ao longo do tempo, o repúdio à violência é valor fundante do nosso modo de viver. A selvageria no campo do Coritiba e arredores é oportunidade preciosa para confirmar que a paz é valiosa.

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Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

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