Em 1991 os presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai se reuniram em Assunção para firmar o tratado de instituição do Mercosul. Rios de tinta para louvar a união do sul; discursos davam a impressão de que a chegada do paraíso era iminente. Há algo a comemorar no próximo 26 de março? As manifestações de amizade fraterna, típicas de amiguinhos no jardim de infância, ainda estão na memória, mas o decurso desses vinte anos mostra que o Aconcágua, até agora, pariu pouco mais que um porquinho-da-índia. O descompasso entre o projeto e o objeto merece olhar atento para que otimismo varonil ou pessimismo sutil não destruam a possibilidade de convivência mutuamente benéfica entre os países do Cone Sul.
A União Europeia, referida como paradigma do que se deve fazer na rota de integração sulamericana, sói ser idealizada como se fosse a suprema realização humana. Joaquim Nabuco dizia que somos americanos europeus, no sentido de que a história do nosso modo de pensar e viver assenta fortemente na Grécia e Itália, com as contribuições dos povos do norte do Velho Continente. Contudo, a pertença ao mesmo grupo cultural não redunda em existência iguais. Cada um com seus problemas; idem para as soluções. As duas grandes guerras do século 20 empobreceram a Europa; para vencer a miséria, percebeu-se a necessidade de união política, a Federação da Paz idealizada por Kant. O caminho escolhido para se chegar aos Estados Unidos da Europa foi a integração paulatina das economias, com o estabelecimento da livre circulação de bens, capitais, serviços e pessoas. Nesse modelo, imaginou-se enfraquecer os Estados soberanos, sem eliminá-los, mediante vínculos econômicos entre os povos da Europa, a exemplo da Airbus.
Faz mais de 50 anos que os engenheiros políticos europeus constroem a federação. Ainda que tenham falhado as duas tentativas de estabelecer a Constituição da Europa, ao objeto jurídico ainda sem identidade se dá o nome de União Europeia, como se federação houvesse. Ao objeto se atribui o nome do projeto. A obra real, palpável, vai adiante, recua, estaciona, caminha de lado. A redução da pobreza na orla do Mediterrâneo, a inclusão da Irlanda no rol dos países que podem produzir algo mais que fome, literatura, música e bares, a transformação da Alemanha em parceira, a criação de moeda apta a se tornar referência de valor nas transações internacionais, são resultados relevantes; porém, incontestáveis são os quase 70 anos sem guerra; período mais longo sem morticínio naquelas plagas. Essa é a história deles, não a nossa.
O inimigo, no sul da América, é a pobreza. O Mercosul nasceu para a vitória sobre a incapacidade de gerar e distribuir riqueza, não para a pacificação de vizinhos belicosos. De modo oposto à situação da Europa no início dos anos cinquenta, não há cismas políticos a serem superados e existe abundante semelhança cultural. Aqui ninguém pode dizer: "Não entendi nada, parece que está falando grego". Todavia, ao copiar o projeto europeu, focando aspectos econômicos, se martela em ferro frio porque a indigência do pensamento econômico na América católica, habitada por ridículos tiranos como Chávez, faz da pobreza uma espécie de carma. Todos pobres, mas desigualmente pobres. As nossas assimetrias econômicas retardam demasiadamente os passos da livre circulação de bens e capitais que foram marcos iniciais na rota da união dos europeus, inimigos capitais, não do capital.
As duas línguas reciprocamente compreensíveis e as demais semelhanças culturais são a principal riqueza a ser explorada no processo de integração sulamericano para abrir o caminho para o desenvolvimento econômico. A simplificação da comunicação jurídica, não apenas para que mercadorias circulem, mas para que pessoas possam passear, estudar, viver, se sentindo como vizinhos bem-vindos, não como estranhos mal-acolhidos; a padronização dos currículos escolares para que as pessoas possam trabalhar em qualquer dos países podem inverter a sequência dos pilares da integração para o Sul: pessoas, serviços, capitais e bens. Primeiro, Povo do Sul, depois, Mercado do Sul.
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