Ainda falamos discar, mas já faz anos que os telefones têm teclas e não o disco demorado, mas de barulhinho saudoso. Falamos que o lado B é ruim; ora, os discos modernos são lidos apenas de um lado. O lado B existia nos discos de vinil que precisavam ser manualmente virados do A para o B, área onde estavam gravadas as músicas de menor qualidade. Quando alguém se dá bem, solta-se um sonoro "lavou a égua". Duvido que algum dos leitores tenha dado banho num equino nos últimos anos e, muito menos, tirado o cavalinho da chuva.

CARREGANDO :)

Quebram-se galhos quando se pretende encontrar uma solução simples e não definitiva para um problema; tiros saem pela culatra sem que as pessoas estejam armadas, nem mesmo com faca de dois gumes; vacas atolam no banhado quando alguém tem alguma ideia de jerico. Metáforas rurais para uma vida urbana, artificial, pouco inspiradora de imagens para enriquecer a comunicação. São caquinhos do velho mundo que compõem o mosaico da vida nos mundos novos. Experiências culturais que aderem à rotina sem racionalidade, sem um padrão arquitetônico. As imagens dos mosaicos são como arte abstrata; ininteligíveis, apenas sensíveis.

Diga-se, esquecemos até a palavra aliás porque o computador permite corrigir as imperfeições do texto sem que seja necessário datilografar tudo outra vez. Melhor dizendo, o "digo", o "quero dizer", a "errata", são desconhecidos dos jovens. Quem nunca se sentou diante de uma folha em branco enrolada num cilindro emborrachado e não descansou as mãos sobre o teclado metálico de uma máquina de escrever não sabe como era forçoso pensar primeiro e escrever depois. Gastava-se um tempão para a mecanografia do texto. O esforço físico para premer as teclas tornava mais econômico organizar as orações na mente para depois lançá-las no papel. Sem a possibilidade de escrever de modo desordenado, quase anárquico, para depois organizar tudo com as facilidades do computador, o ato de comunicação escrita era mais cerebral.

Publicidade

Para estudar algum tema mais sofisticado, não há nada melhor do que manuscrever fragmentos do texto lido e das observações do leitor. O ato mecânico, cansativo, lento, de escrever à mão dá tempo às sinapses e o resultado das leituras é muito mais profundo que os resumos feitos com celeridade no computador. A humanidade é lenta para aprender; os indivíduos demoram décadas para acumular conhecimento suficiente ao processo de intelecção – ou emancipação, como prefere a pedagogia. Conhecer, vale ressaltar, não é ficar de bla-bla-blá revolucionário. É saber matemática, português, datas históricas, pontos cardeais. Quem não sabe isso, não se localiza no tempo, espaço e na cultura.

Ao olhar a tela em branco decidi firmemente escrever como se estivesse diante de uma Remington, Facit, Olivetti. Confesso, não consegui estruturar integralmente o texto e apresentá-lo ao papel sem copiar, cortar, colar. Cão que ladra não morde. Escritor que digita não datilografa. As facilidades tecnológicas causam relaxamento que afrouxa a inteligência porque não é necessário nem mesmo acentuar as palavras. A máquina cuida de tudo e ainda por cima permite culpá-la quando ocorre algum erro escabroso. Dá pra dizer: "Não fui eu, foi essa porcaria do corretor de texto que modificou a palavra sem que eu percebesse".

Será que algum dia as máquinas nos usarão como "humanos de escrever" e dirão: quem não tem cão caça com gato?

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.