Desde 2006 o início de dezembro é marcado por esforço concentrado do Judiciário chamando litigantes para conversar e, quem sabe, chegar a acordo. Nesse lustro de existência da semana nacional de conciliação, milhares de pessoas passaram pelas mesas de negociação e muitas lides foram resolvidas. Ganham os envolvidos, e a sociedade é beneficiada pelo conforto emocional de quem se sente em paz e pela liberação do aparato judiciário para causas complexas.
Contudo, a conciliação ainda enfrenta resistência cultural, cristalizada na máxima popular de dar um boi para não brigar e uma boiada para não sair dela. Além disso, há ideia de que à boa demanda é melhor mau acordo. Essa postura belicosa e a sensação de prejuízo com os acordos levam muita gente a esperar passivamente a decisão do juiz. As pessoas não se sentem felizes com a oportunidade de conversar civilizadamente com a parte adversa e, em número expressivo, faltam às audiências. A cultura é extremada: violência física ou passividade no aguardo de que terceiro (o Judiciário) decida.
Releva desenvolver visão positiva acerca da iniciativa para resolver os desentendimentos por conciliação. A vitória numa liça satisfaz egos salientes, mas não é boa para a convivência porque a parte derrotada porta sentimento de inferioridade ou, o que é pior, de injustiça. Alcançar convergência dos interesses inicialmente colidentes é momento mágico para os envolvidos. Não é jogo que termina empatado; os conflitos podem receber soluções que dão ganho a todos os partícipes. A vitória e a derrota se anulam, produzindo resultado zero; a composição dos interesses significa duas vitórias, situação positiva.
Insta distinguir conflitos entre pessoas que continuarão convivendo e pessoas que não têm e não terão convivência. No primeiro caso, além da solução do litígio, há necessidade de pacificação. Essa percepção está presente no projeto do Código de Processo Civil que preceitua a possibilidade de chamar o réu ao Fórum sem que ele conheça em detalhes o que foi dito na petição inicial. Basta pensar nas questões de família, quando o autor da ação asperge bílis no texto; se o réu ler antes de sentar para entabular conciliação, será atingido no fígado e as chances de acordo diminuem, além dos efeitos nefastos sobre as relações futuras. As relações jurídicas com substrato emocional quente, como as de família e de vizinhança, merecem atenção particularizada.
É verdade que as situações de extrema assimetria de informações ou de poder entre os litigantes dificultam a realização de bons acordos. Às vezes sob a casca de conciliação há submissão. Olhos atentos para as nuances de cada história das muitas que desfilam pelo Fórum é dever de todas as pessoas. Conciliar é verbo a ser conjugado como fonte de alegria, não de amargura.
O Judiciário deve funcionar bem; com essa expectativa o brasileiro remunera dignamente os juízes. Porém não basta pagar para que outros resolvam conflitos. A vida perde qualidade quando se aliena o poder de dirigir os bons e os maus momentos, porque gado se tange, mas com gente é disparadamente diferente.
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