O Comitê Nacional para Refugiados, órgão do Ministério da Justiça, indeferiu o pedido de asilo político feito pelo italiano Césare Battisti, abrindo caminho para que o Supremo Tribunal Federal examine o pedido de extradição feito pela Itália. Se for entregue à Justiça italiana, Battisti estará sujeito à pena de prisão perpétua a que foi condenado pela prática de quatro homicídios na década de 70. Nos anos 80 ele chegou a ser preso e fugiu, escondendo-se no México e depois na França, até que as autoridades francesas decidiram entregá-lo à Itália, o que o levou a se evadir e reaparecer no Brasil, onde foi preso no começo de 2007.
Para evitar a entrega às autoridades italianas, Battisti pediu asilo argumentando que os homicídios de sua autoria não foram crimes comuns e, por isso, estaria ao abrigo da Constituição Federal do Brasil que proíbe a extradição de perseguidos por motivos políticos. O Poder Executivo, ao não atribuir a Battisti a condição de asilado, entendeu que ele é criminoso comum, não merecendo a proteção brasileira. Essa decisão foi alinhada com aquela exarada apela Corte Européia dos Direitos Humanos, a quem Battisti havia recorrido quando estava na França. A Corte Européia afirmou que o julgamento feito na Itália havia respeitado os direitos fundamentais de Battisti. Agora, se espera a decisão da Justiça brasileira que decidirá se a Justiça italiana, ao processar e condenar Battisti, observou do devido processo legal e se os homicídios devem ser classificados como crimes políticos ou comuns.
A distinção entre crime comum e crime político apresenta grande dificuldade teórica e os resultados práticos das decisões classificatórias sempre desagradam alguém. As posições ideológicas nesse tema vão desde os pacifistas de cunho moral que apregoam o oferecimento da outra face ao agressor, até o extremo oposto, no qual a idéia prevalente é a de que a atuação política é violenta por natureza e, com isso, toda a violência tem conotação política. A realpolitik contenta-se com o reconhecimento de que os violentos vitoriosos são heróis e os derrotados são criminosos. Assim, quem consegue tomar o poder pela força e nele se manter é herói revolucionário; quem tenta e falha, é um traidor da pátria, inimigo do povo, criminoso que deve expiar a culpa.
Talvez um dos critérios para iniciar o raciocínio seja o ambiente no qual se dá a ação violenta com objetivo político. Nas democracias há espaço para a divergência e todos os agrupamentos partidários podem submeter suas idéias ao julgamento da coletividade durante o processo eleitoral. Nas tiranias não há espaço para o dissenso e não ocorre alternância pacífica no exercício do poder. A reprovação moral à violência como meio de ação política num e noutro ambiente não deve ser igual. A rigor, numa democracia que propicia condições para que todas as matizes ideológicas exponham seus projetos e façam proselitismo, nenhuma forma de violência com intenção política deve moralmente ser admitida. A violência, nas democracias, é puro terrorismo daqueles que não têm votos, mas espalham muito sangue.
Há juízos morais que encontram expressão jurídica, isto é, são apresentados como leis reguladoras da vida social. O repúdio à violência como meio de ação política está manifestado juridicamente no Tratado de Extradição do Mercosul que assevera não ter natureza política a violência praticada contra pessoas com o uso de explosivos de qualquer gênero e armas de fogo. A decisão denegatória do asilo político a Césare Battisti entrou em sintonia com os imperativos morais e jurídicos da democracia, afastando-se dos mitológicos cavaleiros andantes híbridos de Robin Hood, Che Guevara e Dom Quixote que habitam o imaginário latino-americano.
Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.
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