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Faz dez anos que o colosso americano invadiu o Iraque governado por Saddam Hussein. O motivo apresentado ao mundo foi a existência de armas químicas, biológicas, nucleares de destruição em massa. O espantalho do apocalipse frequentou discursos importantes, inclusive o anual diante do Congresso dos Estados Unidos. Nessa encenação até Tony Blair queimou seu patrimônio político conquistado na década de 90 ao ratificar a farsa. Bush tentou obter aval das Nações Unidas para a sua guerra e não conseguiu; mesmo assim, foi adiante, montando força basicamente anglófona para sua empreitada.

As bravatas de Saddam cederam rapidamente diante dos mísseis que zuniam sobre Bagdá. Em Basra, mais perto do litoral, os ingleses fizeram o serviço com tropas terrestres. Em poucos dias as estátuas de Saddam eram derrubadas e os caos se espalhou com saques, vinganças de vítimas da ditadura, acertos de contas entre rivais políticos, violência de fundo religioso. O que era ruim ficou péssimo.

Confirmada a inexistência de arsenal letal, o discurso mudou e o motivo da guerra passou a ser a construção da democracia no Iraque. Não mais proteger o mundo, mas libertar os iraquianos do tirano cruel. Diga-se, a truculência de Saddam e seus filhos, especialmente Uday, atingia níveis de sadismo difíceis de imaginar, mas em essência semelhante à de outros déspotas que não foram derrubados pelo exército do império. Implantar democracia mediante o "prendo e arrebento quem não concordar comigo" é tolice que soa cômica, não fosse causa de tragédias. A democracia não é produto prêt-à-porter. É modo de convivência política que admite variações decorrentes da cultura de cada povo que a constrói por si.

As instituições norte-americanas, anestesiadas pelo terror do 11 de setembro de 2001, não conseguiram impedir a iniciativa belicosa de George Bush. Aliás, qualquer um que tentasse levantar argumento sensato padecia da acusação de antipatriotismo. A debilidade do sistema de freios e contrapesos formais e do conjunto das organizações da sociedade civil diante da maré de insanidade que levou à invasão do Iraque é caso para estudos acadêmicos. Quem sabe os estudiosos digam como evitar que a democracia caia nessas armadilhas.

Adeptos da teoria da conspiração recitam mantras sobre a intenção de assenhorear-se do petróleo. Quem gastou US$ 1 bilhão por dia para manter as armas poderia ter comprado todo o óleo do planeta. O déficit fiscal norte-americano explodiu em razão dessa despesa e hoje contamina a economia mundial com o tsunami de dólares sem lastro que Obama emite para pagar despesas correntes.

A vendetta de Bush foi tão tola a ponto de servir à revanche do Irã, derrotado na guerra contra o Iraque nos anos 80. Ao derrubar o sunita Saddam, os Estados Unidos permitiram que os xiitas do Iraque se aliassem a seus pares iranianos, aumentando o peso do Irã no Oriente Médio, alterando as relações de poder da região e propiciando a sua entrada no clube nuclear.

Bush fez política com o fígado e os Estados Unidos arcarão muito tempo com o custo político, emocional e moral dessa guerra.

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