O gigantesco edifício inaugurado em Dubai me trouxe à memória a novela que narrava história de empresário inescrupuloso que pretendia construir um espigão no terreno onde morava misteriosa família resistente ao "progresso". Não me recordo do final do folhetim televisivo, mas me lembro do assombro que senti quando, na condição de VIP (vim do interior do Paraná), vi o Edifício Martinelli, o Copan, o prédio do Banespa, na cidade da São Paulo. A curiosidade infantil me levou a computar quantos degraus havia para chegar ao 40.º piso; pensei no esforço para subir e descer se houvesse falta de energia para os elevadores. Filho, não pense nisso, o presidente Médici está investindo em obras e não faltará eletricidade. Se meu pai dependesse de previsões para sobreviver, teríamos morrido de fome! O escuro do apagão de 2009 é igual ao de 1970.
Voltando aos arranha-céus: eles se tornaram possíveis quando foi desenvolvido o elevador com as características atuais. Nos Estados Unidos, no fim do século 19, os prédios saltaram dos quarenta metros para mais de cem. Nos anos 70 do século passado, foram erigidas as torres gêmeas, com mais de quinhentos metros de altura. Ainda estão na retina os aviões penetrando nos prédios. Fausto saiu da América e passou a se exibir na Ásia, em torres onde o ar é rarefeito. A lista dos prédios mais altos é ocupada integralmente pelos povos do oriente. Entre os 50 mais mais, não há brasileiro.
Vamos morrer de vergonha comparando nossos predinhos com o Burj Dubai que é da altura da Serra do Mar? Xi, esqueci meus óculos no carro! É só um pulinho de quilômetro até a garagem, volto em uma hora. Basta imaginar a cena para transbordar de felicidade por estar longe dessas cidades piramidais. Prédios onde se pode, a rigor, nascer e viver sem pisar o chão natural. O encapsulamento da vida nesses paraísos verticais soa artificial, esquisito, mas talvez seja opção ambientalmente correta para acolher os três bilhões de humanos que serão brevemente adicionados ao contingente de hoje. Com quase dez bilhões de pessoas causando pesado impacto ambiental, a cidade vertical deixa espaço para árvores, não impermeabiliza áreas extensas, exige menos dispêndio de transporte entre moradia, trabalho e lazer.
O barraco de zinco pendurado no morro, pedindo socorro à cidade a seus pés, tem força poética; a casinha branca no fim do mundo vem à mente sempre que se pensa num lugar para ver o sol nascer. Amontoar-se num cupinzeiro talvez seja poesia concreta, mas, a oitocentos metros do solo, quais passarinhos pousarão na varanda? Urubus? Os moradores desses marcos de engenho e arquitetura certamente encontrarão melodia, prazer nos nichos que os abrigam, pois não se vive sem apego romântico ao lugar que acolhe. Porém não há apelo emocional dizer "saudosa maloca" aludindo a cubículo luxuoso situado nas nuvens. Olhando o colosso de Dubai, com 3 mil degraus, Jimmy Page e Robert Plant não comporiam "Stairway to Heaven" imaginando uma escadaria para o paraíso.
A pugna do moderno versus o antigo que conduzia o enredo da novela "O Espigão" se manifesta hoje em outras searas; contudo, diminuiu muito o encanto que a ideia de modernidade arrasadora exercia sobre as pessoas. Moderno é o pretérito estar presente no momento em que se constrói o futuro.
* * * * *
Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.
Justiça do Trabalho desafia STF e manda aplicativos contratarem trabalhadores
Parlamento da Coreia do Sul tem tumulto após votação contra lei marcial decretada pelo presidente
Correios adotam “medidas urgentes” para evitar “insolvência” após prejuízo recorde
Milei divulga ranking que mostra peso argentino como “melhor moeda do mundo” e real como a pior
Deixe sua opinião