Nepotismo é a nomeação de parentes para cargos públicos feita por uma autoridade política. Porém, antes de iniciar a análise, deve-se dizer que a moralidade é mais ampla e severa que a legalidade. Assim, o tema será examinado pela perspectiva moral e não jurídica, porque é no sentimento ético de aprovação ou rejeição que repousa a legitimidade dos governantes. Não basta estar escrito nas leis, é preciso que os atos do governo, mais do que pela imposição, sejam aprovados pela convicção de que são justos.
Ao longo da história o nepotismo foi o padrão de conduta dos reis que agiam como donos de fazenda; em Portugal denominavam de fazenda pública ao que hoje chamamos de país. Contudo, se os usos e costumes bastassem para endireitar o que é torto, as mulheres ainda estariam em condição social de submissão ao machismo. Uma conduta errada não se torna correta apenas porque é praticada por quase todo mundo durante muito tempo.
Quando a relação entre o governante e as coisas e pessoas governadas é de propriedade, a família do dono também é governo. Filhos, irmãos, sobrinhos detém, além do patrimônio genético, a linha sucessória do poder do proprietário. Um fato natural, o parentesco, determina a condição de governante ou de governado, proprietário e não-proprietário da fazenda pública. Quem é dono tem o poder de usar, fruir e dispor livremente das coisas e os parentes exercem poder também como donos.
A idéia de propriedade é instintiva a todos os animais sociais; os machos dominantes se apossam de bens escassos, excluindo-os do uso coletivo, e os dão prioritariamente aos indivíduos com os quais compartilham genes. Esse comportamento é explicado com certeza científica desde Darwin. Mas o que é a civilidade senão a luta contra a natureza e seus instintos primais? O nepotismo, como expressão da face selvagem da natureza humana, propicia a construção de clãs, não de Estados. Símios também se organizam em clãs, que são a forma mais rudimentar da experiência política humana.
Entender o poder do proprietário não exige grande ilustração porque isso está gravado no repertório básico para o funcionamento mental dos primatas (macacos e humanos). Na cabeça do brasileiro, examinada pelo sociólogo Alberto Carlos Almeida, aparece nítida a relação inversamente proporcional entre a escolaridade e a aceitação do uso do cargo público como se fosse propriedade particular: menor a escolaridade, maior a aprovação dessa postura. Se depender do senso comum, os clãs existirão até o fim dos tempos. Mas esse modo de organização política permite o desenvolvimento e o acesso à civilidade? A resposta é negativa, bastando ver que as sociedades produtoras de riqueza material e científica adotaram a república e não a propriedade como modo de governar.
A existência de diversos órgãos estatais dotados de poder político destinado ao exercício de funções diferentes, conforme a tese de Montesquieu, é o mecanismo que permite o funcionamento de uma estrutura estatal apta a fomentar o desenvolvimento. O nepotismo corrompe o sistema de freios e contrapesos ao tornar familiar a relação entre as pessoas que integram cada um desses órgãos. Se os promotores de Justiça são parentes dos juízes, os juízes dos deputados, os deputados do governador, o governador dos promotores, a impessoalidade desaparece e, ao invés de república, tem-se a cosa nostra.
O progresso exige organização política maior que o clã. A confiança limitada ao círculo parental e a existência de castas impermeáveis, que excluem a possibilidade de alguém de fora da família real alcançar posição de governo, desestimulam as pessoas a mobilizar esforços para a realização de grandes projetos econômicos e culturais. A impessoalidade, condição para que a República seja efetiva, se dá pelo acesso à função pública a partir do mérito individual (eleição ou concurso) e não pelo exame de DNA.
Friedmann Wendpap é juiz federal e professor da UTP.
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