O presidente Obama disse que a dívida pública norte-americana está caminhando para dois terços do valor da riqueza produzida anualmente pelo trabalho de toda a nação. Essa cifra de trilhões exige a tomada contínua de empréstimos; ocorre, em algum momento os credores começarão a duvidar da capacidade de pagamento e o crédito vai escassear. "Quando isso acontecer, vamos ter de aumentar os juros para conseguir financiamento e isso vai provocar aumento de juros para todo o mundo". Verbalizou uma obviedade, prescindindo de magia para ver esse futuro. Marx imortalizou a expressão de que a história se repete ora como farsa, ora como tragédia. Cazuza, de modo mais poético, via o futuro repetir o passado num museu de grandes novidades.
Nos anos 70, a abundância de dinheiro dos produtores de petróleo provocou queda nas taxas de juros. Esses países não tinham onde gastar e colocavam o dinheiro à disposição de quem precisava de empréstimos. Sem caixa para pagar as importações, especialmente as de petróleo, fomos tomando dinheiro emprestado a juros flutuantes. Ganhamos enquanto a taxa descia e falimos quando ela subiu. A abrupta ascensão dos juros se deu exatamente por causa dos Estados Unidos. No final do governo Carter a inflação havia passado de 10% ao ano; para controlá-la, o Tesouro passou a pagar mais pelo dinheiro que tomava emprestado. Com isso, as pessoas poupavam ao invés de consumir. A economia americana esfriou e a inflação foi caindo até chegar abaixo de 3% ao ano.
Na ocasião, as taxas anuais de juros saltaram da média de 5% para 15%. Para se ter ideia do quanto isso significou, basta lembrar que nesse período se iniciou a construção de Itaipu, cuja previsão de orçamento era de US$ 12 bilhões a serem conseguidos com financiamento. O custo final, por causa do aumento dos juros, passou dos 20 bilhões e só terminaremos de pagar em 2023. À época, a maior parte da dívida contraída pelo governo brasileiro foi no exterior. Ainda há memória dos calafrios que a dívida externa provocava, das passeatas contra o FMI, das palavras de ordem pela moratória. Chegou-se ao calote e à falta de investimentos produtivos nos anos 80, a década perdida. Hoje a dívida externa pública é irrisória, mas a interna é gigantesca, equivalente a quase 50% da riqueza anual do Brasil. Essa dívida é financiada com o dinheiro que a classe média e rica empresta ao governo, em troca de juros. Se o preço do dinheiro (juros) é muito alto, a dívida se torna impagável e vai crescendo até a bancarrota. Isso acontece numa família e num país.
A recente debacle econômica tem componentes muito parecidos com os eventos extremos causados pelo fim do padrão ouro para o dólar em 1971, o choque árabe do petróleo em 73 e o choque iraniano em 1979; os detentores de montanhas de dinheiro eram os árabes, agora são os chineses; os tomadores de empréstimo permanecem sendo os americanos. A exuberância chinesa está financiando a custo barato o abissal déficit público americano; para salvar bancos e a indústria automobilística, os valores estão chegando a níveis preocupantes, semelhantes àqueles das repúblicas de bananas. É intuitiva a sensação de que uma dívida igual a um ano de renda é muito difícil de ser paga. Nesse ponto se perde a confiança dos credores. É o perigo que está no horizonte: dificuldade de encontrar gente disposta a emprestar mais dinheiro para os Estados Unidos.
Nessa história, somos o tatame sobre o qual gigantes lutam sumô: eles se empurram, nós saímos amassados. Se não houver redução da nossa dívida pública, ela se tornará muito cara quando os americanos começarem a pagar juros mais altos. Será feroz a competição pelo dinheiro disponível no mercado, elevando o custo do financiamento do déficit e voltaremos à zaragata das passeatas ao estilo do perfeito idiota liderado por Chávez, à espera do Chapolin para nos socorrer.
Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.
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