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Quando as imagens das prisões aparecem na televisão vêem-se homens espremidos como sardinha em lata, num ambiente sujo, com aparência de fétido. Em seis metros quadrados, duas camas, chuveiro e latrina, são comprimidos vinte, trinta, indivíduos. O sofrimento é evidente, sendo desnecessário descrever a rotina tensa e fadigante de um lugar desses, onde o tempo pára. Todavia, algo mais fica nítido quando essas informações saltam das telas para dentro dos lares: as pessoas não se chocam e, de certa maneira, acreditam que o horror é merecido, porque os bandidos devem sofrer muito para pagar o mal que fizeram.

A primeira dúvida sobre o acerto desse sentimento de revanche surge quando se percebe que todos na cela padecem por igual; a claustrofobia, a promiscuidade forçada, atingem todos os presos. Será que todos merecem a mesma dose de sofrimento? Entre aqueles homens que vemos com os braços pendurados nas grades não há nenhum que tenha delinqüido menos gravemente que outros? Todos são irregeneráveis? Ainda que fosse justo retribuir o mal com essa maldade dos presídios infectos, a dose para cada um dos presidiários está claramente errada e algumas pessoas sofrem muito além do merecido. Com isso, ao aceitarmos que pessoas sofram imerecidamente, praticamos violência contra elas. É certo que não é uma violência intencional e direta, face a face, mas nem por isso deixa de haver uma agressiva passividade.

Do ponto de vista puramente ético não é justo que o sofrimento aplicado para punir seja desproporcional àquele que deu causa a punição. Se aceitarmos a tese de que o autor de uma maldade possa ser punido em dose maior do que o mal que ele praticou, fica prejudicado até o equilíbrio da Lei de Talião que manda seja olho por olho, dente por dente. O sofrimento causado pelas más condições carcerárias é injusto, porque vai além da medida adequada para retribuir. Na verdade, é um mal novo, praticado em nome da sociedade, gerador de impulsos vingativos que realimentam a violência.

Outra linha de argumentação para que os presos não sejam bem tratados é que muitas pessoas inocentes passam fome, não têm leitos confortáveis, tratamento médico, dentário, escola, biblioteca. Assim, gastar dinheiro com os presidiários é um acinte aos inocentes que carecem desses benefícios. Ao primeiro olhar o argumento econômico é muito poderoso, pois se faltam recursos para socorrer os inocentes, não se deve expender com os presos. Ora, se essa tese for levada ao extremo não se gastará dinheiro para tratar os velhos nos serviço público de saúde, porque o investimento é de baixo retorno e não há meios para atender a todos, sendo necessário priorizar os adultos em idade produtiva e, em segundo lugar, as crianças. Na verdade, nunca haverá recursos suficientes para atender todas as necessidades. Sempre será imperioso fazer escolhas e compartilhamento da escassez.

O parco dinheiro público deve ser usado também para que as pessoas que cumprem pena privativa de liberdade o façam em ambiente asseado e ordeiro. Não se cogita de luxo, mordomias. As prisões nunca serão palácios, mas não devem ser chiqueiros. Com isso, a resposta à indagação que abre o texto é positiva. É importante ressaltar que não se tem em conta sentimentalismo piegas. Não é preciso gostar de bandido para afirmar que o tratamento deve ser digno. Quem atenta contra outra pessoa deve ser punido e a perda da liberdade é suficientemente dolorosa para que os pecados sejam pagos, sem que haja o preço adicional do suplício nas masmorras.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor da UTP.

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